quarta-feira, 16 de novembro de 2011

QUERIDA MÃE ROSI...


A superação da perda de um filho através das cartas psicografadas

Antes de ler, deixe o ceticismo de lado. Ou você pode perder uma boa história!


Fotos: Cláudio Eduardo

Dois meses antes do julgamento do homem acusado de ter assassinado Rafael, a mãe dele já sabia o veredicto. O alerta veio do próprio filho de Rosivalda Rodrigues Mendonça, morto havia mais de sete anos. Entre as palavras de conforto, o jovem enviou a mensagem: “não se iludam com a justiça dos homens, entreguem seus corações à justiça divina – implacável com todos aqueles que contrariam a lei de amor”. O recado veio através de uma carta psicografada. E aquelas palavras se cumpriram. Em 31 de agosto deste ano, o policial militar acusado de ter assassinado Rafael por engano, durante uma confusão em frente ao porto de Itajaí em novembro de 2003, foi absolvido pelo tribunal do júri.

Primeiro a dor da perda, depois a luta por justiça e, por fim, o silêncio. Há anos, Rosi preferiu se calar. Sofria quieta. Todos imaginavam o que a morte de Rafael causara ao coração da mãe, mas já não ouviam mais as queixas da boca da dona de casa, hoje com 54 anos. Raramente ela compartilhava o sentimento com os outros dois filhos ou com o marido. No entanto, com a mesma discrição com que sofria, Rosi encontrava um pequeno conforto. Feito joias preciosas, nove cartas – de letras trêmulas, porém decifráveis – ficam trancadas a sete chaves.
A primeira mensagem de Rafael veio em abril de 2004, poucos meses depois que ele foi sepultado. Devoradora de livros, Rosi já tinha lido muitas obras sobre a doutrina espírita mesmo antes de perder o filho. Ela concordava que o melhor de uma pessoa não apodrecia no túmulo. Existe algo além. “Sempre tive essa noção do pós-morte, só não esperava que o Rafa fosse se manifestar tão rápido”, conta. Ela recorda que a primeira das cartas psicografadas foi escrita em um centro espírita que ela nem conhecia. Só ficou sabendo da existência do lugar quando foi informada que tinham uma mensagem de Rafael. E, como uma mãe desesperada por um contato com o filho que partiu, Rosi correu na mesma hora. Precisava ler e, quem sabe, aliviar a saudade que a estava sufocando.
“A maior surpresa foi o conteúdo. Já na primeira carta, ele pedia que nós perdoássemos. Ele não mencionou o que sofreu naquele dia e nem o que pensou”, comenta, se referindo ao dia da morte do filho. Rosi lembra que, desde a infância, Rafael tinha sensibilidade e afirmava ver espíritos. No entanto, o medo fazia com que ele tentasse driblar o dom. Justamente por saber da mediunidade, ela imaginava que ele entraria em contato com a família. Só que esperava que nas mensagens o filho explicasse como tinha se sentido no meio da confusão que acabou na morte repentina do jovem. Entretanto, esta incerteza do sentimento dele no dia em que foi assassinado vai permanecer. Em nenhuma das nove cartas, Rafael menciona a cena do crime. Ele parece ter superado.
“Nas mensagens fica claro que o Rafa está mais empenhado em nos consolar do que de falar daquele dia porque, ao que parece, pra ele aquilo não teria mais importância”, acredita a mãe. Às vésperas de completar oito anos da morte do filho – estudante universitário que, na época, tinha 20 anos – Rosi ainda se emociona ao remexer nas histórias. As fotos do filho espalhadas pela casa somente ilustram o que está escondido no coração da mãe: a presença de Rafael não enfraquece, ela lembra de cada dia das duas décadas em que conviveu com o jovem.

“O Rafa sempre bate na mesma tecla: ele não morreu,
não se acabou. A vida continua!”

Como qualquer pessoa desconfiada, Rosi também foi cética no início. Para acreditar que as cartas que chegavam até ela, assinadas pelo filho, eram realmente enviadas por ele, a dona de casa comparava a letra com os cadernos antigos que ainda guarda em uma pasta de recordações. “Tenho certeza que é ele. Independente do médium que escreve, a assinatura e o conteúdo são sempre iguais. O Rafa sempre bate na mesma tecla: ele não morreu, não se acabou. A vida continua!”, ressalta.
Apesar de ainda sofrer e não aceitar a morte do filho, Rosi tem noção do desejo dele. “Como vítima, ele aceitou e perdoou. Agora ele batalha pra que nós consigamos perdoar também”, destaca. Rosi recorda que Rafael sempre contava todos os detalhes do dia, quando chegava em casa. “Uma vez ele veio apavorado, porque tinha sido assaltado no banco e teve que entregar o malote da empresa. Ele estava desesperado porque apontaram uma arma. Então carrego essa angústia de querer saber como ele se sentiu naquele dia”, afirma a mãe.
Mesmo desejando ouvir do filho o que ele sentiu no dia da morte, Rosi sabe que a omissão nas cartas é sinal de que, realmente, o fato já foi superado pelo espírito dele. E ela, todos os dias, também luta para superar. Uma batalha por vez. A primeira luta é constante: a superação da saudade. E as cartas psicografadas são aliadas. “O contato ajudou muito. Se não tivesse recebido nenhuma mensagem, eu estaria muito pior do que estou hoje”, salienta a dona de casa, já arriscando sorrisos espontâneos entre uma história e outra.

Espíritos ditam as mensagens que são escritas pelos médiuns
Reportagem do DIARINHO participou de uma sessão do grupo de psicografia do Centro Espírita Allan Kardec, em Itajaí

 Fotos: Cláudio Eduardo

A sessão é fechada. Apenas os membros do grupo de psicografia do Centro Espírita Allan Kardec (Ceak) entram na sala. O ambiente é muito mais comum do que pressupõe o imaginário de quem não conhece a fundo a doutrina espírita. Foi o meu caso. Com a permissão do grupo, acompanho a reunião. Logo na entrada, percebo que as cadeiras já estão posicionadas ao redor de uma mesa. Ao longo da toalha branca, as pilhas de folhas limpas ficam distribuídas junto de canetas preparadas para o início da maratona de palavras.
São oito horas da noite quando os médiuns estão a postos. Sou convidado a sentar numa cadeira na ponta da mesa, ao lado do coordenador do grupo que tem duas importantes tarefas: observar os médiuns (para o caso de precisarem de algum tipo de auxílio) e fazer a oração inicial. Antes disso, colocam uma música ambiente, para que todos possam relaxar ao longo dos trabalhos e ajudar na concentração. As luzes são apagadas e apenas uma lâmpada permanece acessa. A sala fica num tom alaranjado cor de alvorada. Não demora um minuto para que o primeiro médium comece a escrever. Como num efeito dominó, a pessoa que senta ao lado também começa os rabiscos ininterruptos. Em poucos minutos, a música ambiente se mistura ao som das canetas, que deslizam apressadas no papel.
Os médiuns escrevem numa velocidade superior ao raciocínio. Não há tempo para pensar no que rabiscar. As palavras vão para o papel sem interrupções. Depois de 45 minutos de psicografia, o coordenador do grupo anuncia o fim do trabalho. Uma última oração quebra o elo entre os médiuns e o mundo espiritual. E as luzes voltam a ser acesas.
Com as cartas já escritas, é hora de ler as mensagens. Naquela noite em que acompanho o grupo, 10 cartas foram psicografadas e os médiuns leem uma por uma, em voz alta. Duas delas, em particular, me chamaram a atenção. A primeira foi ditada por um senhor da cidade de Biguaçu. Antes de ler, o médium conta que o espírito estava muito emocionado – era a primeira vez que ele conseguia se comunicar. Na carta, a descrição de como morreu e o pedido de perdão à família. O espírito conta que era alcoólatra e que morreu afogado, há menos de 10 anos, por conta do vício. Em outra carta, uma neta tenta passar o conforto para a avó que a criou depois que os pais tinham falecido num acidente de carro. A jovem pede que a avó supere a perda e enfatiza a necessidade de largar os preconceitos e aceitar que existe a vida após a morte. Ouvindo as mensagens, tão detalhadas, penso na importância que teria uma carta como aquela para a família. Mas não há como garantir que as mensagens chegarão aos respectivos destinos.

Para quem não sabe...

O que é o espiritismo?

Também conhecido por Doutrina Espírita ou Kardecismo, foi codificado na metade do século 19 pelo francês Hippolyte Léon Denizard Rivail, que adotou o pseudônimo de “Allan Kardec”. É uma doutrina que prega o aperfeiçoamento moral do homem e que acredita na possibilidade de comunicação com os espíritos através médiuns.

O que são médiuns?

São aquelas pessoas com capacidade para se comunicar com os espíritos. Uma das tantas formas de comunicação é a psicografia.

O que é psicografia?

É a capacidade atribuída a certos médiuns de escrever mensagens ditadas por espíritos.

Centros Espíritas da região

C.E. Allan Kardec - 12/08/1955
Rua Joaquim Lopes Correia, 246
Vila Operária - Itajaí

C.E. Jesus Nazareno
Rua Laureano José de Almeida, 46
São João - Itajaí

C. E. Anjo da Guarda
Rua XV de Novembro, 405
Centro - Itajaí

C.E. Jesus de Nazaré
Rua Lauro Ramos, 130
Santa Catarina - Barra Velha

C.E. O Bom Pastor
Rua Itamar José da Luz, 364
Centro – Navegantes

C.E. Luz do Caminho
Rua: Jahiel Moacir Tavares, 785
Armação - Penha

C. E. Trabalhadores da Última Hora
Rua Jovino Manoel Francisco, 180
Armação - Penha

C.E. Allan Kardec
Rua Joaquim das Neves, 41
Centro - Piçarras

C.E. Chico Xavier
Rua 236, nº 390
Meia Praia - Itapema

Sociedade Espírita Joanna de Ângelis
Rua 800 – D, nº 111
Casa Branca - Itapema


Nem todas as cartas psicografadas chegam ao destino

Há 19 anos, Luciano Américo Leite, 46, frequenta a doutrina espírita – sempre no mesmo centro. Neste período, o coordenador do Departamento de Mediunidade do Ceak percebe que houve uma evolução no tratamento aos espíritas, mas reconhece que ainda falta informação para que as pessoas rompam os preconceitos. “A falta de conhecimento é o que causa a descrença, a dúvida. Mas já dá para dizer que a realidade está melhorando. Antigamente só faltava jogarem pedras na casa dos espíritas. Hoje essa reação diminuiu”, avalia. Luciano conta que o grupo especificamente para a psicografia no Ceak ainda é recente, tem menos de um ano. Antes, as cartas chegavam nas reuniões de mediunidade. Mas, com uma equipe reunida uma vez por semana só para esta função, a manifestação escrita dos espíritos aumentou.
“A finalidade da psicografia é levar o consolo e a fé, além de confirmar que há vida além do túmulo”, explica. O coordenador conta que o grande objetivo do grupo é aprimorar ainda mais o trabalho para que eles possam abrir as sessões para o público. Além disso, ele destaca um outro grande desejo: que as cartas encontrem os destinatários. “Nosso fim é que as mensagens cheguem às pessoas. Eu suponho que em algum momento conseguiremos que as cartas venham mais completas, com endereço, por exemplo”, conclui.
Hoje, na tentativa de encontrar as pessoas para quem os espíritos deixaram mensagens, o centro conta com uma página na internet (o www.ceakitajai.com.br), onde é possível ver a lista com o nome de quem se manifestou através da psicografia. Das centenas de cartas que os médiuns do Ceak escreveram, poucas chegaram às famílias. Uma das que encontraram o destinatário foi justamente a que foi enviada por Rafael, antes do julgamento.


Querida Mãe Rosi,

Imensa alegria invade meu ser nesta noite especial, que Deus permitiu nosso reencontro após longo período de refúgio e aprendizado. Encontram-se amados em momento que consideram decisivo para vossas vidas.
Não se iludam com a justiça dos homens, entreguem seus corações à justiça divina – implacável com todos aqueles que contrariam a lei de amor que rege o universo e nossas vidas. Lembre-se que continuo vivo e qualquer resultado não alterará nossas existências.
Somos unidos pelos laços de amor, que nos uniu no momento de nosso reencontro no mundo material.
A saudade é e sempre será grande, mas o trabalho a que me dedico, que é de muito amor, me ajuda a superar a distância que nos separa. Nesse período tivemos algumas oportunidades de nos abraçarmos e nos sentirmos juntos novamente, mas é preciso superar os sentimentos de incompreensão dos fatos e encherem vossos corações de amor, fé e alegria para que esses momentos sejam mais frequentes.
(...) Precisamos caminhar sempre adiante, com fé e muita alegria, pois já conhecemos a verdade e sabemos que continuo vivo, daqui onde estou, sempre pensando em vocês. Espero reencontrá-los em melhores condições, com disposição para continuar. Roguemos a Jesus novas oportunidades desta abençoada carta. Deus nos proteja e abençoe.
Do amado filho, com muito amor.

Rafael




POR CLÁUDIO EDUARDO
Reportagem Especial publicada no DIARINHO de 14/11/11

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