terça-feira, 26 de fevereiro de 2013

Samaipata, o último vestígio da Civilizaçao Inca


Repórter subiu a Cordilheira dos Andes, na Bolívia, para explorar a última morada dos Incas

Texto e fotos: Cláudio Eduardo



Pedras ainda contam a história de parte da América do Sul. A estonteante Cordilheira dos Andes, por séculos, escondeu os últimos vestígios de uma das civilizações que construíram nosso continente: os Incas. Hoje, o Parque Arqueológico de Samaipata atrai turistas de todo o mundo para explorarem visualmente o que o passado nos deixou. Em 1998 o “Forte de Samaipata” – que fica a praticamente dois mil metros de altitude, na Bolívia – foi declarado Patrimônio Cultural e Natural da Humanidade pela Unesco.
Toda a vila se construiu ao redor de uma pedra que foi lapidada por uma civilização anterior aos Incas: os Chanés. Estima-se que eles tenham habitado aquele lugar no alto dos Andes entre os anos de 800 e 1300 depois de Cristo. Neste período, numa época em que não se tinha as técnicas de construção (que depois, sim, seriam desenvolvidas pelos Incas), eles esculpiram uma pedra que mede, de uma ponta à outra, 220 metros para servir de abrigo e para a realização das cerimônias. Passados tantos séculos, ainda é possível ver desenhos ao longo da pedra que reforçam um pouco mais daquela cultura anterior aos Incas, os cultos, crenças e o estilo de vida de um período tão longínquo. Uma escultura gigante e cheia de mistérios.
Não se sabe como esta civilização desapareceu. Não há, por exemplo, registro de confrontos. Ao que se acredita, não houve disputa de terras, afinal, os Incas só chegaram 100 anos depois do desaparecimento dos Chanés. O império Inca se instalou em Samaipata no ano de 1400. Com técnicas mais avançadas, se instalaram ao redor da pedra gigante. Ao contrário dos Chanés, que esculpiram, os Incas construíram – com pedras menores – as casas e toda a estrutura administrativa da vila. O ponto foi escolhido para driblar as áreas mais planas que já eram dominadas pelos índios guaranis, exímios lutadores e conhecedores da região.
A queda da civilização
Com a chegada dos espanhóis ao país, no começo do século 16, caem os Incas. E justamente em Samaipata. Conta-se que nem todos foram imediatamente assassinados. Aniquilaram a civilização, mas não todo o povo. Muitos passaram a servir os espanhóis. Diante das atrocidades, muitas mulheres teriam cometido suicídio antes do fim da batalha. Não queriam cair nas mãos dos dominadores que vinham da Espanha. Preferiam a morte. Eis a queda dos Incas. Deles restou pouco... Pedras que organizavam os cômodos do que foi, um dia, a morada desta civilização no alto dos Andes.
Enfim, o “Forte de Samaipata”
O nome que ilustra placas e livretos turísticos não era o mesmo da época dos Incas. Passou a ser chamado de forte justamente pelo propósito dos espanhóis ao conquistarem o território: acreditavam que, geograficamente, estavam num lugar estratégico para dominar os países vizinhos. Para eles, Samaipata (que significa descanso nas alturas) garantia acesso privilegiado entre Assunção, no Paraguai, e Lima, no Peru. Da mesma forma que os Incas, construíram outras casas de pedra ao redor, preservaram a estrutura já existente, e estavam prontos para atacar. O forte estava erguido.


Cordilheiras transformam a viagem num amontoado de cartões postais



Da capital de Santa Cruz – que leva o mesmo nome do Estado e fica 400 metros acima do nível do mar – demora apenas três horas para chegar ao Parque Arqueológico de Samaipata. É preciso encarar a estrada cheia de subidas e curvas das Cordilheiras dos Andes. Contudo, somos brindados pela paisagem estonteante, de montanhas esculpidas em milhões de anos, aliadas ao verde, ainda preservado. Ao longo do percurso, passamos por alguns povoados andinos e enxergamos a realidade de uma gente que vive em tempos diferentes. Lutam para sobreviver. As mulheres, com suas tranças lambidas, tentam vender o que os homens, de mãos sujas e calejadas, colhem no território nada plano. E torram no calor de fevereiro à beira da estrada não duplicada.
Quando surge a subida, estreita e de chão de barro, que leva ao parque, somos recebidos por uma árvore cheia de flores amarelas – que víamos de longe contrastando com o verde. Maria Eugenia explica que se trata de uma árvore que chamam de Carnaval, pois só floresce nesta época do ano. E é neste mesmo arbusto que a placa que indica o nosso caminho está pregada. É hora de subir mais um pouco, rumo à altitude de 1970 metros. Pouco antes de chegarmos ao destino, a guia pede ao motorista para que pare o carro. Quer mostrar algo para impressionar o turista-jornalista-curioso-brasileiro: “está vendo aquela pedra? Olha bem para ela. É a ‘cara do Inca’. Assim que chamamos. A erosão esculpiu exatamente o rosto de um inca, como o gorro típico e tudo”, ressalta. E realmente parece. Fotografo a “cara do Inca” e dou o sinal para que sigamos. O carro pifa. Temos de seguir caminhando. Só agora entendo o que os jogadores de futebol tanto reclamam quando jogam na Bolívia... Meu pulmão grita socorro. Mas meus olham ordenam que se calem. Preciso ver os últimos vestígios dos Incas.





A magia “baila” pelos ares do Parque Arqueológico de Samaipata

Maria Eugenia Vega é guia turística em Santa Cruz de La Sierra. Num português pouco arrastado para uma boliviana, ela, que já morou no Rio Grande do Sul, é uma especialista em apresentar Samaipata aos turistas que vem de vários lugares do mundo. E revela que antes do teor histórico, há o misticismo. Há quem chame de ‘O Templo Mágico de Samaipata’. “Talvez pelos símbolos que foram esculpidos na pedra, que era um ponto de cerimônias. Mas o certo é que muita gente acredita que há algo especial ao redor do forte. E não há como negar a sensação especial que se tem ao olhar para este lugar”, comenta a guia.
Há quem vai além. Acreditam que o forte é o único ponto do mundo que sobreviverá ao fim dos tempos. Entre lendas e crenças, Maria Eugenia conta que o povo andino ainda realiza rituais no alto do forte, com danças e máscaras. “Alguns grupos esotéricos vão uma vez por mês para colher a energia do lugar. Foi sempre um local sagrado – tanto na época dos Chanés quanto depois, para os Incas, e ainda é para os andinos”, relata.


A caminhada pelo “Templo Mágico de Samaipata”



Enfim olho para tudo aquilo que, até então, apenas tinha visto em livretos para turista ou em páginas na internet. Fico de queixo caído. Maria Eugenia não muda a postura de professora de História. E eu não mudo a postura de turista. Fotografo tudo. Encosto em tudo. Pergunto tudo. O percurso total leva pelo menos duas horas – de muita caminhada, subidas e descidas sofríveis para um sedentário. Mas parece que aquela magia que dizem “bailar” pelos ares do forte é real. Fico hipnotizado com as pedras que, alinhadas à história e à paisagem, impressionam qualquer um. Não foi raro o momento em que a guia se viu metros a minha frente falando sozinha. Quando não ouvia o meu “sí”, olhava para trás e já sabia que eu estava agachado (ou pendurado) fotografando algo. Vejo de perto a pedra gigante esculpida pelos Chanés. Ando pelas construções dos Incas. Depois pela dos espanhóis. Percorro, fascinado, os caminhos da nossa América do Sul.


Reportagem publicada no jornal DIARINHO de 25/02/2013.

segunda-feira, 18 de fevereiro de 2013

Crônica do "primeiro-dia-de-aula"


Turma da pré-escola da E.E.B. Dep. Valério Gomes (Tijucas/SC) de 1993.


Por Cláudio Eduardo

Hoje passei pela frente de uma escola em “primeiro-dia-de-aula” e senti ligeiramente aquele friozinho na barriga... Aquele de quando eu passava os últimos dias das férias contando os dias para a volta às aulas. Aquele de quando eu ficava horas e horas folheando cadernos novos – de capa mole e encapados com papel de presente – pensando em quando iria usá-los. Aquele!

E faz exatamente 20 anos que fui apresentado para esta sensação. Faz 20 anos que pisei pela primeira vez numa escola... Ah, a E. E. B. Deputado Valério Gomes! E hoje, andando neste calor infernal, voltei a sentir o friozinho na barriga. Não, não voltei para a escola. Senti o friozinho de quem se recorda (e sente muita falta) de um tempo maravilhoso.

Por favor, Deus, me devolve aquela sensação do primeiro dia de aula... Do reencontro com os amigos... Dos medos... Dos sonhos... E da corrida ao toque do sinal para escolher, enfim, o lugar em que sentaria ao longo daqueles saudosos bimestres. 

segunda-feira, 28 de janeiro de 2013

Lição (sem procurar culpados) da tragédia de Santa Maria


Por Cláudio Eduardo

O número não me sai da cabeça. E por incrível que pareça, os algarismos que teimam em me atormentar madrugada adentro não são os do triste saldo da tragédia do último domingo, em Santa Maria/RS – enquanto escrevo isto já passava de 230 mortes confirmadas. Mas continuo pensando no 104.
“Um bombeiro apanhou um daqueles telefones que tremiam no chão. O aparelho registrava 104 chamadas. Na tela: MÃE”.

Enquanto ouvia análises e argumentações de pessoas sedentas por encontrar culpados, não consegui pensar em outra coisa. Até me sentia anormal por, ao invés de imaginar o sofrimento que passou a jovem dona do tal celular, só pensava na mãe. Que desespero não estaria sentindo para chegar ao ponto de ultrapassar a marca de 100 telefonemas e não desistir?! 104 chamadas de esperança. E nada de resposta da filha. Certamente, esta mãe deve ter suplicado ‘– Minha Santa Maria, que ela atenda o telefone agora!’.
Mas nem mesmo a intercessão da mãe de Jesus poderia, naquele momento, fazer com que um ‘alô, mãe. Eu estou bem!’ saísse dos minúsculos poros do celular que permanecia pressionado aos ouvidos daquela mãe aflita. E a cada toque a mais, esperança a menos... E a cada minuto a menos, desespero a mais.
Poderia ser a mãe de qualquer um!
Li um monte de textos – lindos – do tipo “eu também morri em Santa Maria”, com argumentos que comparavam os jovens que estavam lá com qualquer jovem... Comigo também. E é verdade. Poderia ter sido você, seu amigo ou eu a engolir aquela maldita fumaça, a perder a noção do tempo, do espaço... A perder a vida! Mas ainda continuo (anormal que sou) pensando na mãe. Sim, poderia ser qualquer mãe a estar do outro lado da linha suplicando por um milagre a cada uma daquelas 104 ligações.


Foto: Portal Terra

sexta-feira, 28 de dezembro de 2012

Ah se os Maias soubessem...



Escrever a retrospectiva de um ano intenso (e maravilhoso) feito 2012 é fácil. A única dificuldade é que foram tantas coisas incríveis que fica difícil resumir. Para começo de conversa, entrei com os dois pés neste ano já sabendo que, pela primeira vez, entraria num avião. E a viagem não era curta: simplesmente fui parar no outro lado do mapa Mundi – nos Emirados Árabes. Isso tudo logo em janeiro... Daí não parei mais quieto. Fui à Terra dos Hermanos ver um tango no meio da rua e olhar o túmulo da Evita e “don’t cry” por ela; e na Cidade Maravilhosa, ter a sensação inenarrável de encarar “O Cara”, que continua lá, de braços abertos, para quando eu quiser aparecer novamente...
Encarei muitos desafios na profissão. Se o DIARINHO vai ser o mesmo depois de mim? Não sei. Mas tenho certeza que eu não serei mais o mesmo depois do DIARINHO. Entrevistei em português, em espanhol (enrolado) e em inglês (por vezes com ajudinha de alguém com a língua mais desenrolada que a minha). Acompanhei cada movimentação de uma CPI – a do Ruth Cardoso – e fui além, consegui, com documentos e fontes sigilosas, mostrar que o dito hospital estava na UTI. Fiz as matérias que queria... Fora as entrevistas calientes dos candidatos a prefeito. Fui parar até na Veja por causa do despretensioso “MMA dos Prefeituráveis” (http://veja.abril.com.br/blog/radar-on-line/tag/mma-dos-prefeituraveis/). Até de candidato me disfarcei para ver se o povo estava disposto a vender o voto - o que não seria nenhuma surpresa. E não foi (http://blogclaudioeduardo.blogspot.com.br/2012/10/vai-votar-por-que.html).
Vi meu amigo/irmão se casar e começar (bem antes que eu) a construir uma família – e morri de orgulho por isso. Vi muita gente... Alegrei e irritei muita gente – na mesma proporção. Encarei a cobertura de uma eleição e posso olhar de cabeça erguida para quem quer que seja: minha honestidade não tem preço (fica a dica!). E, por fim, quando o 2012 já estava quase dando “tchau!”, mais uma vez disse “sim” ao novo. Larguei o fascinante DIARINHO. Vou para o outro lado do balcão: assessoria. Se vai ser tão maravilhoso? Ainda não sei. Esse é o desafio que deixo para o 2013. Quero ver (e quero mesmo) superar isso tudo!

Se os Maias soubessem o quanto 2012 seria maravilhoso, dariam um jeito de estender um pouquinho o tal calendário.

terça-feira, 25 de dezembro de 2012

Memórias da bola de plástico e do punhado de balas de iogurte





Por Cláudio Eduardo

Dia desses, alguém encontrou uma foto de um evento de Natal daqueles onde o Papai Noel entrega bolas de plástico para um monte de crianças, junto de um punhado de balas de iogurte. E tinha um motivo para me mostrar a tal fotografia. No meio da fila gigantesca, tinha um gurizinho de uns sete anos, com cabelo bem penteado – indicando que se preparou para aquele acontecimento como quem vai para o primeiro dia de aula – e de chinelo surrado, umas Havaianas daquelas de sola branca e tira azul-claro que, como já tinha arrebentado, estava presa por um minúsculo prego, na parte debaixo da sola. Logicamente, isso não dava para ver na fotografia. Mas, passados quase 20 anos daquela tarde, ainda lembro-me da sandália. Sim, eu era aquele menino que nem se importava com a fila, com o calor ou com o chinelo velho. Só queria receber a bola de plástico – que, dias depois, iria furar num arame do pasto na frente de casa.
Mesmo hoje, com um pouco mais de habilidade no emprego das palavras, ainda é difícil justificar (ou explicar) a sensação de participar daqueles eventos. E as recordações da infância não vieram à tona apenas pela tal fotografia. Passadas quase duas décadas da época em que eu era uma das crianças que se alegravam com aquele gesto de solidariedade, volto ao mesmo cenário. Deparo-me com as mesmas crianças ansiosas pela chegada do Papai Noel para ganhar um ou mais presentes – hoje mais generosos do que a bola de plástico que eu ganhara naquele 1900 e antigamente. Desenferrujo aquela sensação... Como era possível ser feliz com tão pouco?
As recordações devem justificar o que sinto ao acompanhar novas entregas de brinquedos em eventos sociais. Fica difícil – ao menos para mim, um ex-guri-da-fila – não se emocionar. Pior ainda quando vou a locais onde sei que todas as crianças que estão lá sofreram (seja pelo abandono ou por maus-tratos). É o caso dos abrigos. Eu que nunca passei por nada parecido, pois, apesar da falta de dinheiro, tinha amor de sobra em casa, não me recordo de ter sorrido tão facilmente como eles sorriam com a chegada do bom velhinho. E minhas idas aos eventos sociais de Natal neste ano obedeciam (inconscientemente) a um roteiro: primeiro as recordações, depois a alegria, seguida da emoção... Por fim, na saída, o nó na garganta. Vontade de gritar por não ter como exigir que o mundo seja mais justo, ao menos com as crianças.

*Crônica publicada no caderno especial de Natal do jornal Diarinho (24/12/12)

sexta-feira, 7 de dezembro de 2012

LIVRE PARA DERRUBAR!


Prédio do herbário não vai mais ser tombado pelo município
Faltava apenas o prefeito assinar o decreto. Mas procurador afirma que o conselho do Patrimônio voltou atrás do parecer e, agora, se manifestou contrário ao tombamento

Por Cláudio Eduardo

Imagem: Google Street View

O prédio que abriga o herbário Barbosa Rodrigues fica a poucos metros de edificações históricas que travam um duelo arquitetônico no centro de Itajaí. E numa triste ironia à preservação do patrimônio, o prédio que é vizinho da igreja matriz do Santíssimo Sacramento, do palácio Marcos Konder e da, agora reformada, Casa da Cultura Dide Brandão, pode ser derrubado a qualquer momento. O decreto de tombamento da sede do herbário, que só dependia da assinatura do prefeito Jandir Bellini, não vai sair.
Em maio do ano passado, o DIARINHO publicou uma reportagem em que o conselho municipal do Patrimônio Cultural anunciava que todo o processo administrativo que culminaria no tombamento do prédio do herbário já estava concluído. Faltava apenas a assinatura do prefeito para que o decreto pudesse valer e, assim, garantir que a edificação não pudesse ser derrubada para a construção de um edifício comercial no terreno.
Contudo, passado um ano e sete meses, o procurador do município, Rogério Nassif Ribas, afirma que o decreto não foi assinado pelo prefeito. “O conselho voltou atrás e deu parecer contrário ao tombamento, porque o responsável pelo herbário teria dito que não tinha saúde para cuidar disso. E eles atenderam o apelo”, justifica, substituindo os argumentos do prefeito que, ontem à tarde, não atendeu a reportagem por estar numa viagem internacional.
Contra a derrubada
O superintendente da fundação Genésio Miranda Lins, Antonio Carlos Floriano, também é membro do conselho do Patrimônio Cultural. Ele conta que não participou ativamente do processo que previa o tombamento do prédio do herbário. Entretanto, diz ter presenciado muitas discussões nos últimos encontros – sempre com a sede do herbário em pauta. “O conselho é a favor do tombamento. Isso é unanimidade. Sempre que foi discutido entre os membros, foi consenso que se preserve o prédio. Mas também entendemos que é preciso conseguir meios de garantir recursos para a manutenção do herbário”, ressalta.
Hoje quem chega no prédio – que fica na avenida Marcos Konder, no centro de Itajaí – observa, logo na entrada, uma placa que diz: “essa entidade recebe verba pública: R$ 20 mil para manutenção do acervo científico e cultural”. No entanto, não há como precisar se o valor é suficiente e de quanto seria o repasse ideal, nas contas dos administradores do local. Ontem a reportagem foi ao herbário, mas uma funcionária explicou que a pessoa que responderia pelas questões administrativas não estava. E que, para conversar com ela, era preciso agendar horário.
Por que derrubar?
Desde que se levantou a possibilidade da derrubada da sede do herbário, foi ventilada a informação de que seria para a construção de um edifício comercial no terreno – de localização privilegiada. Ontem a reportagem não conseguiu mais detalhes sobre o projeto. Contudo, na matéria publicada em maio do ano passado, se falava na construção de um edifício da Mendes Sibara. Na época, o proprietário do empreendimento, Luiz Alves Mendes, falou que tudo estava no campo das ideias. “Foi um interesse pessoal meu, no dia que visitei o herbário e senti dó”, comentou. O plano dele era criar um projeto que preservasse a história, o acervo e a arquitetura do prédio. E ainda destacou que classificava o tombamento como um ato de retrocesso. “O herbário está prestes a acabar. A cidade vai perder muito, pois eles não têm condições de se manterem. As casas tombadas na nossa cidade viram cortiços”, sentenciou. Hoje não há confirmação se é a Mendes Sibara que mantém interesse no terreno do herbário.
Faz parte da história
Em 1942, com seis caixas de papelão com plantas e 15 livros, o padre gaúcho Raulino Reitz iniciou o herbário Barbosa Rodrigues, em Itajaí. Quatro anos depois, junto com outros entusiastas, ele criou oficialmente a entidade e requisitou um terreno ao prefeito da época, Arno Bauer. O prédio que hoje abriga mais de 70 mil exemplares de plantas foi finalizado em 1954. O nome do herbário é uma homenagem ao botânico mineiro João Barbosa Rodrigues, que era um especialista em orquídeas e palmeiras da Amazônia.
Já foi visitar?
Quem quiser conhecer o acervo do herbário precisa se programar. Não basta aparecer no prédio para entrar. Em dias úteis, há expediente interno das 13h às 19h. Contudo, só é aberto para visitação na segunda-feira, das 14h às 17h. E é preciso agendar previamente pelo telefone (47)3348-8725. Além disso, só é permitida a entrada de grupos com, no mínimo, cinco pessoas, não podendo extrapolar 40 visitantes por vez.

Patrimônio histórico em pauta!

A arquiteta urbanista Silvana Pitz participa do caderno “Entrevistão” que sai na edição deste final de semana, no DIARINHO. No entanto, a reportagem já antecipa um trecho do bate-papo. Silvana é membro do conselho municipal do Patrimônio e diretora de estudos e projetos na fundação Cultural de Itajaí.

DIARINHO – O prédio do herbário Barbosa Rodrigues ainda não teve o decreto de tombamento assinado pelo prefeito Jandir Bellini. Sem o decreto corre o risco de o herbário ser derrubado e a iniciativa privada usar aquele terreno para a construção de um edifício. Você teme que isso aconteça? Por que a demora para assinar o decreto?
Silvana – Eu temo sim que isso aconteça, porque o herbário é muito significativo para a nossa cidade. Ele é realmente um desses pontos que são marco fundamental para a nossa cidade. O porquê da demora do decreto ser assinado eu realmente não sei. 

segunda-feira, 26 de novembro de 2012

TIJUCAS - onde morar de frente para o mar é sinônimo de pobreza


MAR DE LAMA
Onde morar de frente para a praia é sinônimo de pobreza


Por Cláudio Eduardo
Fotos: Flávio Tin

No mapa de belas praias de Santa Catarina, Tijucas é um ponto escuro. A cidade – que pertence à Grande Florianópolis – contraria os demais municípios litorâneos do estado em que morar de frente para o mar é sinônimo de poder. Um fenômeno social causado pelo meio ambiente: de frente para a praia (que, cheia de lama, não é própria para banho), quem mora é pobre. Hoje já é possível encontrar casas mais caprichadas entre as que se enfileiram na via paralela à orla. Contudo, os barracos erguidos sobre as áreas invadidas ainda predominam. A ordem das construções é completamente oposta à dos balneários vizinhos.



Como crer que, num estado de litoral turístico feito Santa Catarina, um aposentado que recebe apenas um salário mínimo tem o privilégio de ver, da janela de casa, o pôr do sol refletido na água sem nenhuma barreira atrapalhando a vista? O pescador aposentado Gelci da Costa Amaral, que deixa o nome de batismo apenas para os documentos, se sente um privilegiado. Banga, como se apresenta, tem 68 anos e mora com a mulher e um filho numa casinha – já de alvenaria e cheia dos caprichos – de frente para o ponto em que o mar se esbarra com o rio Tijucas. E jura que não troca de endereço. Prefere a simplicidade ao asfalto da parte central do município.
“Faz uns 15 anos que mudei para a praia. Tinha pouco dinheiro, e só dava para comprar terreno aqui. Era isso ou ficar no aluguel”, conta. Além de fugir dos preços inacessíveis para o bolso de quem recebe apenas o suficiente para sobreviver, Banga conseguiu conquistar o prazer da vida de aposentado de frente para o mar. Para ele, a lama não é impedimento nas pescarias de tarrafa. “É o que eu faço para passar meu tempo. Eu mesmo faço a tarrafa e depois já posso ir ali testar. Aqui é uma maravilha”, destaca.
Tem morador que, há cinco anos, pagou apenas R$ 3 mil por um terreno de frente para a orla. Essa facilitação do preço baixo, logicamente, ressalta um ponto negativo daquela área: o aumento descontrolado na densidade demográfica, que dá espaço para a violência. Mesmo assim, Banga reluta. Acredita que, na simplicidade e no sossego, conseguiu criar um paraíso particular. “A gente sabe que tem muito bandido, mas para poder viver bem, tem coisas que temos que deixar passar despercebido”, afirma, vigiado de perto pela mulher, que apenas concorda com as respostas do marido com sorrisos orgulhosos e gestos de aprovação.

Condomínio de casas populares bem pertinho do mar? Só em Tijucas!



Acredite. Em Tijucas, famílias retiradas de área de risco ganharam, há três anos, casas na praia. A aposentada Maria dos Santos Fagundes Souza curte os 69 anos de idade na calmaria de um conjunto habitacional feito por um projeto social entre a prefeitura e o instituto Ressoar, da Rede Record. Ela morava em um bairro do interior do município. Mas, com a casa condenada pela Defesa Civil, recebeu, em setembro de 2009, um novo lar. E de frente para o mar. “Nunca imaginei que moraria tão perto da praia. Muito menos ganhando a casa”, comenta, garantindo que está mais que satisfeita com as surpresas da vida. Hoje, onde ela mora, consegue driblar o calor do verão com o vento que vem direto do mar. E não nega ter a vida que, anos antes, nem ousara sonhar.
Enseada é um paraíso esquecido

Tijucas/SC - População estimada: 32.087 PIB per capita: R$ 18.425,83 Incidência de pobreza: 29,45%


De ponta a ponta, a praia de Tijucas tem quase 13 quilômetros de extensão – mais que quatro vezes o tamanho da praia Brava de Itajaí, por exemplo. Mas apenas ao longo de três quilômetros há casas. Da areia, é possível avistar ao longe, numa cruel ironia àqueles que vivem de frente para o mar lamacento, o verde da água. Ainda, é possível visualizar os morros das praias vizinhas, que são pontos turísticos disputados no verão (enquanto Tijucas continua desprezada, por não ter condições de balneabilidade): Governador Celso Ramos, Porto Belo e Bombinhas. Fora a ilha do Arvoredo, num horizonte bem distante.
E justamente os paraísos que rodeiam que são considerados parte das causas de tanta lama. O professor do curso de Oceanografia da Univali e doutor em Geologia Marinha, João Thadeu de Menezes, estuda a região desde 2004. Ele explica que o rio Tijucas deposita grande quantidade de sedimentos finos no mar – como qualquer rio daquele porte. Contudo, a diferença está na geografia. Por estar completamente circulada por morros, a praia de Tijucas não consegue receber ondas influenciadas pelos ventos, que seriam a energia para rebater a deposição dos sedimentos finos. E, por ser uma enseada completamente fechada, a lama estaria se acumulando ao longo de mais de cinco mil anos. Menezes diz que, numa medição feita para o estudo da área, concluíram que a camada de lama tem 17 metros de profundidade.
Junto com a explicação, vem a triste notícia para os que têm esperança de que um dia a praia ficará própria para o banho. “Não há como mudar. É a característica natural do ambiente. Existe a possibilidade de tirar a lama? Não sei, talvez alguma tecnologia da engenharia possa fazer isto. Mas a característica do ambiente é a deposição de lama. Se tirarem, um dia vai voltar”, afirma o especialista.
Planície rara no país
De acordo com Menezes, a característica do mar se estende, na verdade, da planície terrestre do município. Ele diz que, no Brasil, só há uma praia do Norte com a mesma característica de Tijucas, que classifica como Planície de Chenier. “Basicamente, as árvores só crescem enfileiradas aos cordões arenosos. Na praia, essa parte de areia fica mais evidente: são 300 metros de lama, depois uns 50 ou 100 metros de areia, depois mais 300 metros de lama... E assim por diante”, explica o especialista. Ele ainda ressalta que não basta criar um molhe para conter os sedimentos finos. A praia de Tijucas está condenada pelas características da superfície. “É a dinâmica do meio ambiente. Deveriam, sim, pensar no rio, que transporta muita sujeira, e também na criação de políticas públicas para a limpeza da praia”, aconselha. Como o mar não é próprio para banho, ao longo dos anos há quem encare a orla como depósito de dejetos: jogam lixo e até animais mortos, evidenciando ainda mais o abandono de uma enseada que, não fosse a lama, inverteria o mapa urbanístico da cidade.

Projeto de construção de molhes prevê gasto de R$ 26 milhões



Entre os moradores de Tijucas, a praia tem nome. Numa alusão irônica à carioca Copacabana, chamam a versão lamacenta de “Copalama”. Tão velhas quanto o apelido são as promessas de limpeza do mar, que aumentam a esperança dos tijucanos de, um dia, crescerem a partir do turismo de verão, como os municípios vizinhos. Contudo, nenhuma promessa com relação à enseada saiu do papel até hoje.
No entanto, pelo que diz o prefeito Elmis Mannrich, há projetos mais perto de chegarem à execução. “Temos encaminhado o desassoreamento do rio e o projeto de afixação dos molhes, inclusive com licenças prévias”, comenta. O orçamento para que a obra saia está na casa dos R$ 26 milhões. O prefeito garante que o projeto já está inscrito em dois Ministérios e que, como a arrecadação do município é pequena, está atrás de apoio dos governos federal e estadual para que vire realidade.
Mesmo com a execução do desassoreamento do rio Tijucas e com o molhe, Mannrich não arrisca afirmar que o município terá um mar próprio para banho. “Uns dizem que não tem jeito. Outros dizem que, com o molhe, uma parte da praia ficará boa para banho. O projeto é para beneficiar o tráfego no rio. Quanto à praia, só depois da obra executada para saber se teve ou não algum impacto favorável”, explica o prefeito. Independentemente da qualidade da água, ele promete a revitalização dos arredores. “O projeto contempla a orla, com urbanização de parte da praia, que hoje é uma área muito feia”, reconhece.