segunda-feira, 26 de novembro de 2012

TIJUCAS - onde morar de frente para o mar é sinônimo de pobreza


MAR DE LAMA
Onde morar de frente para a praia é sinônimo de pobreza


Por Cláudio Eduardo
Fotos: Flávio Tin

No mapa de belas praias de Santa Catarina, Tijucas é um ponto escuro. A cidade – que pertence à Grande Florianópolis – contraria os demais municípios litorâneos do estado em que morar de frente para o mar é sinônimo de poder. Um fenômeno social causado pelo meio ambiente: de frente para a praia (que, cheia de lama, não é própria para banho), quem mora é pobre. Hoje já é possível encontrar casas mais caprichadas entre as que se enfileiram na via paralela à orla. Contudo, os barracos erguidos sobre as áreas invadidas ainda predominam. A ordem das construções é completamente oposta à dos balneários vizinhos.



Como crer que, num estado de litoral turístico feito Santa Catarina, um aposentado que recebe apenas um salário mínimo tem o privilégio de ver, da janela de casa, o pôr do sol refletido na água sem nenhuma barreira atrapalhando a vista? O pescador aposentado Gelci da Costa Amaral, que deixa o nome de batismo apenas para os documentos, se sente um privilegiado. Banga, como se apresenta, tem 68 anos e mora com a mulher e um filho numa casinha – já de alvenaria e cheia dos caprichos – de frente para o ponto em que o mar se esbarra com o rio Tijucas. E jura que não troca de endereço. Prefere a simplicidade ao asfalto da parte central do município.
“Faz uns 15 anos que mudei para a praia. Tinha pouco dinheiro, e só dava para comprar terreno aqui. Era isso ou ficar no aluguel”, conta. Além de fugir dos preços inacessíveis para o bolso de quem recebe apenas o suficiente para sobreviver, Banga conseguiu conquistar o prazer da vida de aposentado de frente para o mar. Para ele, a lama não é impedimento nas pescarias de tarrafa. “É o que eu faço para passar meu tempo. Eu mesmo faço a tarrafa e depois já posso ir ali testar. Aqui é uma maravilha”, destaca.
Tem morador que, há cinco anos, pagou apenas R$ 3 mil por um terreno de frente para a orla. Essa facilitação do preço baixo, logicamente, ressalta um ponto negativo daquela área: o aumento descontrolado na densidade demográfica, que dá espaço para a violência. Mesmo assim, Banga reluta. Acredita que, na simplicidade e no sossego, conseguiu criar um paraíso particular. “A gente sabe que tem muito bandido, mas para poder viver bem, tem coisas que temos que deixar passar despercebido”, afirma, vigiado de perto pela mulher, que apenas concorda com as respostas do marido com sorrisos orgulhosos e gestos de aprovação.

Condomínio de casas populares bem pertinho do mar? Só em Tijucas!



Acredite. Em Tijucas, famílias retiradas de área de risco ganharam, há três anos, casas na praia. A aposentada Maria dos Santos Fagundes Souza curte os 69 anos de idade na calmaria de um conjunto habitacional feito por um projeto social entre a prefeitura e o instituto Ressoar, da Rede Record. Ela morava em um bairro do interior do município. Mas, com a casa condenada pela Defesa Civil, recebeu, em setembro de 2009, um novo lar. E de frente para o mar. “Nunca imaginei que moraria tão perto da praia. Muito menos ganhando a casa”, comenta, garantindo que está mais que satisfeita com as surpresas da vida. Hoje, onde ela mora, consegue driblar o calor do verão com o vento que vem direto do mar. E não nega ter a vida que, anos antes, nem ousara sonhar.
Enseada é um paraíso esquecido

Tijucas/SC - População estimada: 32.087 PIB per capita: R$ 18.425,83 Incidência de pobreza: 29,45%


De ponta a ponta, a praia de Tijucas tem quase 13 quilômetros de extensão – mais que quatro vezes o tamanho da praia Brava de Itajaí, por exemplo. Mas apenas ao longo de três quilômetros há casas. Da areia, é possível avistar ao longe, numa cruel ironia àqueles que vivem de frente para o mar lamacento, o verde da água. Ainda, é possível visualizar os morros das praias vizinhas, que são pontos turísticos disputados no verão (enquanto Tijucas continua desprezada, por não ter condições de balneabilidade): Governador Celso Ramos, Porto Belo e Bombinhas. Fora a ilha do Arvoredo, num horizonte bem distante.
E justamente os paraísos que rodeiam que são considerados parte das causas de tanta lama. O professor do curso de Oceanografia da Univali e doutor em Geologia Marinha, João Thadeu de Menezes, estuda a região desde 2004. Ele explica que o rio Tijucas deposita grande quantidade de sedimentos finos no mar – como qualquer rio daquele porte. Contudo, a diferença está na geografia. Por estar completamente circulada por morros, a praia de Tijucas não consegue receber ondas influenciadas pelos ventos, que seriam a energia para rebater a deposição dos sedimentos finos. E, por ser uma enseada completamente fechada, a lama estaria se acumulando ao longo de mais de cinco mil anos. Menezes diz que, numa medição feita para o estudo da área, concluíram que a camada de lama tem 17 metros de profundidade.
Junto com a explicação, vem a triste notícia para os que têm esperança de que um dia a praia ficará própria para o banho. “Não há como mudar. É a característica natural do ambiente. Existe a possibilidade de tirar a lama? Não sei, talvez alguma tecnologia da engenharia possa fazer isto. Mas a característica do ambiente é a deposição de lama. Se tirarem, um dia vai voltar”, afirma o especialista.
Planície rara no país
De acordo com Menezes, a característica do mar se estende, na verdade, da planície terrestre do município. Ele diz que, no Brasil, só há uma praia do Norte com a mesma característica de Tijucas, que classifica como Planície de Chenier. “Basicamente, as árvores só crescem enfileiradas aos cordões arenosos. Na praia, essa parte de areia fica mais evidente: são 300 metros de lama, depois uns 50 ou 100 metros de areia, depois mais 300 metros de lama... E assim por diante”, explica o especialista. Ele ainda ressalta que não basta criar um molhe para conter os sedimentos finos. A praia de Tijucas está condenada pelas características da superfície. “É a dinâmica do meio ambiente. Deveriam, sim, pensar no rio, que transporta muita sujeira, e também na criação de políticas públicas para a limpeza da praia”, aconselha. Como o mar não é próprio para banho, ao longo dos anos há quem encare a orla como depósito de dejetos: jogam lixo e até animais mortos, evidenciando ainda mais o abandono de uma enseada que, não fosse a lama, inverteria o mapa urbanístico da cidade.

Projeto de construção de molhes prevê gasto de R$ 26 milhões



Entre os moradores de Tijucas, a praia tem nome. Numa alusão irônica à carioca Copacabana, chamam a versão lamacenta de “Copalama”. Tão velhas quanto o apelido são as promessas de limpeza do mar, que aumentam a esperança dos tijucanos de, um dia, crescerem a partir do turismo de verão, como os municípios vizinhos. Contudo, nenhuma promessa com relação à enseada saiu do papel até hoje.
No entanto, pelo que diz o prefeito Elmis Mannrich, há projetos mais perto de chegarem à execução. “Temos encaminhado o desassoreamento do rio e o projeto de afixação dos molhes, inclusive com licenças prévias”, comenta. O orçamento para que a obra saia está na casa dos R$ 26 milhões. O prefeito garante que o projeto já está inscrito em dois Ministérios e que, como a arrecadação do município é pequena, está atrás de apoio dos governos federal e estadual para que vire realidade.
Mesmo com a execução do desassoreamento do rio Tijucas e com o molhe, Mannrich não arrisca afirmar que o município terá um mar próprio para banho. “Uns dizem que não tem jeito. Outros dizem que, com o molhe, uma parte da praia ficará boa para banho. O projeto é para beneficiar o tráfego no rio. Quanto à praia, só depois da obra executada para saber se teve ou não algum impacto favorável”, explica o prefeito. Independentemente da qualidade da água, ele promete a revitalização dos arredores. “O projeto contempla a orla, com urbanização de parte da praia, que hoje é uma área muito feia”, reconhece.


sexta-feira, 16 de novembro de 2012

Ataques e mortes em Tijucas e Itapema


Microempresário de Tijucas perdeu o único ônibus da empresa

Dos 22 ônibus incendiados esta semana no estado, três foram numa mesma noite e em menos de duas horas


Texto: Cláudio Eduardo
Fotos: Flávio Tin
Reportagem publicada no jornal Diarinho de 16/11/2012





Desde o começo da semana, 22 ônibus foram alvo de ataques em Santa Catarina. Nesta lista, três são de Tijucas, todos numa mesma noite e em menos de duas horas. Ontem os veículos incendiados atraíram curiosos. Quem passava dava uma paradinha para ver o estrago. Outros, menos discretos, faziam questão de fotografar a desgraça.
O último dos três ônibus a ser alvo de atentado estava estacionado na rua Justino Soares, no bairro da Praça, bem ao lado da escola municipal Deputado Walter Vicente Gomes. Era por volta das 23h de quarta-feira quando o dono do veículo soube que haviam atacado outros dois ônibus na cidade. Quando pensou em ir tirá-lo da rua, já viu as chamas. De acordo com a esposa dele, a costureira Djane Letícia Vill, 20 anos, o fogo era tanto que o marido chegou a tentar fazer algo, mas ficou sufocado com a fumaça e teve de esperar pelos bombeiros.
“Ele está sem chão no momento. Não dormiu a noite toda... Mas vai conseguir tudo de novo!”, acredita Djane, que não quis acordar o marido ontem à tarde pra falar com o DIARINHO, justificando que, enfim, ele tinha conseguido dormir. E o desespero dele é justificado. O ônibus da Rony Tur ficou completamente destruído. Os bombeiros usaram três mil litros de água pra conter as chamas, mas o veículo já estava detonado. “Quando eu vi na internet que já tinham colocado fogo em um, ele pensou em levar o ônibus pra outro lugar, só que eu não deixei porque fiquei com medo que eles tacassem fogo com ele dentro”, conta a costureira. Na firma de Rony, esse era o único ônibus e ele usava pra transportar funcionários pra uma empresa de malhas no bairro Nova Descoberta. E não tinha seguro.
Outros dois...
O segundo ônibus atacado não sofreu muito estrago. Era um da empresa Juliva, que estava estacionado na rua 13 de maio, no centro de Tijucas. Deu tempo de moradores apagarem as chamas antes que se alastrassem. Depois, foi levado pro pátio da empresa.
Em compensação, lá pelas 21h30 de quarta-feira, o primeiro veículo atacado em Tijucas ficou na carcaça. O ataque foi no final da rua Alvina Simas Reis – que fica próximo a dois pontos considerados perigosos pela polícia: o Casarão e o Jardim Progresso. Pra conter as chamas do ônibus de transporte escolar da prefeitura de Porto Belo, os bombeiros usaram 3,5 mil litros de água. Mas o fogo já havia destruído o ônibus. Uma carreta que estava estacionada ao lado teve a pintura e os para-lamas danificados.

PM prende suspeito com três bananas de dinamite e diesel um dia após ele sair do presídio



Na manhã seguinte aos três atentados que deixaram a população de Tijucas assustada, a polícia Militar conseguiu prender um suspeito de ter participação desta onda de ataques. Robson Willian Oliveira, 22 anos, foi preso menos de 24 horas depois de ter sido solto do presídio de Tijucas. Com ele foram encontrados uma garrafa pet com óleo diesel e três bananas de dinamite. Ontem à tarde ele foi encaminhado pro presídio da Canhanduba, em Itajaí. Na delegacia, ele não assumiu participação nos atentados e nem revelou o que fazia com os explosivos em casa.
De acordo com a PM, uma viatura fazia rondas na localidade do Jardim Progresso quando achou um homem suspeito. E o cara resolveu fugir ao avistar os policiais. “Nós fomos atrás dele, porque não era normal estar fugindo. Mas quando entramos, nos deparamos com o Robson. Fomos averiguar e encontramos o diesel e as bananas de dinamite escondidas num armário”, comenta um dos soldados envolvidos na prisão, que aconteceu por volta das 9h30 de ontem. Os policiais ainda encontraram um aparelho de celular com mensagens e números de telefones que consideraram suspeitos – que serão investigados pela polícia Civil. Robson tem passagem por tráfico e roubo.


PRIMEIRA MORTE
Tacou fogo na Praiana, trocou tiros com a PM e acabou no IML

Dupla de bandidos parou um ônibus, mandou os passageiros descerem e atearam o fogo. Confusão rolou em plena luz do dia, em Itapema

 



Itapema estava, até ontem à tarde, na lista de cidades da região que tinham ficado de fora dos atentados. Nenhum veículo tinha sido queimado. Nenhum tiro tinha sido disparado. Contudo, às 16h, isto mudou. Dois homens armados abordaram um ônibus, jogaram gasolina sobre o motorista, expulsaram os passageiros e tacaram fogo no buso. Depois, na perseguição com a polícia, rolou troca de tiros. Um deles foi atingido por dois disparos, levado ao hospital e morreu pouco depois. O outro conseguiu fugir por um matagal. O motorista, apesar de ter ficado em estado de choque, saiu ileso. Foi a primeira morte nesta guerra declarada que começou no início da semana.
Um ônibus da Viação Praiana seguia pela rua 406, no bairro Morretes, rumo ao Sertão do Trombudo. Além do motorista, seis passageiros estavam no veículo quando uma moto escura os interceptou e, armados, ordenaram que a porta fosse aberta. Depois, mandaram todo mundo sair, enquanto uma arma era apontada pra cabeça do motorista. A dupla começou a encharcar os bancos com gasolina. E, pra aterrorizar ainda mais, ensoparam o motorista com o combustível. Ele só não se machucou porque fugiu tão logo eles acenderam o fogo dentro do ônibus.
De acordo com o gerente de tráfego da Praiana, Aldo Mário Leite, o motorista teve de ser levado para o hospital de Itapema por duas razões: tinha passado mal com o cheiro da gasolina e também estava em estado de choque. “O que fizeram com ele foi um terrorismo. Ele pensou que ia morrer”, comenta. Aldo diz que o ônibus não ficou completamente detonado porque um homem que morava perto de onde aconteceu o atentado tinha um jato d’água e controlou as chamas antes que se alastrassem. Mesmo assim, fez estrago na parte da frente do veículo. “Os motoristas estão assustados. Acho que sem um policial dentro do ônibus não vamos poder trabalhar. Paralisação total é uma possibilidade”, afirma o gerente de tráfego.
Perseguição e tiros
Logo depois do atentado, a polícia Militar saiu em perseguição à dupla, que fugia numa moto Honda CG 150 cinza escuro. Num determinado ponto da rua 406 B, começou a troca de tiros. O vidro traseiro de uma das viaturas foi estilhaçado, além de alguns furos atingirem a parte da frente. Mas nenhum policial foi atingido. Em compensação, um dos homens que fugia levou dois tiros: um no antebraço e outro no peito. Com a rua lotada de curiosos, começaram a chegar mais viaturas da PM e, por fim, ambulâncias do corpo de Bombeiros. O carinha chegou a ser levado pro hospital de Itapema, entretanto, morreu pouco depois. Foi a primeira morte no estado por causa dos atentados desta semana.
Mais tarde, a polícia identificou o homem que morreu na troca de tiros. Era Jeferson Belo. Segundo informações da delegacia, apesar de ter apenas 23 anos, o rapaz tinha uma ficha de veterano do crime, com passagens por presídios de vários municípios catarinenses, quase todas as vezes por roubo. Jeferson era natural de Foz do Iguaçu/PR, mas morava em Itapema. O corpo foi levado no fim da tarde pro instituto Médico Legal (IML) de Balneário Camboriú.
Conseguiu fugir...
O outro homem que teria participado do atentado à Praiana conseguiu fugir. Pouco depois que o corpo do comparsa tinha sido levado pro hospital, a polícia foi pra um matagal no bairro Morretes onde o foragido teria se escondido. Não acharam o cara, mas encontraram a moto da fuga lá, abandonada. Minutos depois descobriram que era roubada. Pertencia a um mototaxista do bairro que tinha sido assaltado à mão armada fazia uns 15 dias. As buscas pelo foragido continuaram naquela região. Até ontem à noite, ele não tinha sido detido.

PM mata dois suspeitos de tramarem vingança contra policiais
A morte de um envolvido nos atentados em Itapema, ontem à tarde, teria motivado mais duas mortes ontem à noite, só que na vizinha Tijucas. Os serviços de inteligência das polícias Militar e Civil receberam denúncia, pelas 21h, de que dois homens estavam indo pra Itapema com a missão de vingar a morte de Jeferson Belo. O alvo seria qualquer policial militar – não necessariamente o mesmo que atirou no rapaz que foi pro além depois de tacar fogo num ônibus da Praiana. E passava das 22h quando dois suspeitos foram mortos pela polícia, após troca de tiros.
De acordo com informações do comando estadual da PM, os militares do município estavam fazendo abordagens junto com o grupamento de Choque de Floripa, no loteamento Jardim Progresso, quando foram parar a dupla – que não tinha sido identificada. Eles teriam reagido e disparado contra os policiais. Nenhum fardado foi atingido. No entanto, os dois suspeitos sim. Um morreu no local, outro no caminho pro hospital. Os corpos foram pro IML de Balneário Camboriú.
O delegado Weidson da Silva disse que aguardaria ter a identificação da dupla para, então, poder analisar se havia relação deles com os atentados ou se eram apenas criminosos foragidos que se sentiram acuados e, portanto, reagiram. “Não sei se tem vinculação direta com os ataques. Mas sei que naquela localidade tem muitos egressos do sistema prisional ou foragidos. Podem ter se sentido ameaçados”, avalia.