sexta-feira, 30 de dezembro de 2011

Feliz (e desafiador) ano novo!


Queria escrever uma mensagem linda para ressaltar o quão maravilhoso e desafiador foi meu 2011. Mas foram tantos milhares de caracteres digitados ao longo deste ano que o teclado parece me implorar: “chega, Cláudio!”. E eu obedeço.

2011 se abriu para mim acompanhado de um desafio – ser editor de Política no Diarinho. Precisei superar minha inexperiência e a falta de conhecimento desta área, onde não sabia nem o nome do presidente da câmara, menos ainda das lideranças locais. Juro que lutei a cada dia para que minhas dificuldades não pudessem ser percebidas pelos leitores.
E encerro este ano com um super sorriso. Um sorriso de “bem-vindo, 2012!” – mais um ano que já nasce (para mim) aliado a um monte de desafios e, novamente, vou lutar para encará-los a cada dia. E sigo... Para dias cada vez melhores (e mais desafiadores)! Que todos tenham um ano tão prazeroso quanto será o meu. E vamos felizes ao encontro das novidades.

FELIZ ANO NOVO!

segunda-feira, 12 de dezembro de 2011

Reportagem sobre os 32 anos da Novembrada


30 DE NOVEMBRO DE 1979

O dia em que SC encarou a ditadura militar

 

32 anos depois, personagens da Novembrada revivem a data histórica

nas páginas do DIARINHO

 

 

Texto: Cláudio Eduardo 

Reportagem publicada no Jornal DIARINHO, em 30/11/2011

 


A ditadura militar calava. Ao final da década de 1970, ainda sob a fama dos “Anos de Chumbo”, a possibilidade de um presidente ser rechaçado em público beirava o insano. Com a certeza de receber sorrisos, mesmo que descontentes, João Figueiredo veio para Santa Catarina. O roteiro do general que comandava o país incluía visitas e homenagens. Ao lado do governador Jorge Bornhausen, o presidente começaria a saga por Florianópolis na busca por aplausos. Entretanto, não foi o que recebeu naquele 30 de novembro de 1979.
O manifesto organizado por um grupo de estudantes da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) se somou ao descontentamento do povo. Todos estavam fartos, cansados da liberdade de expressão estrangulada e dos preços que aumentavam descontroladamente. A Novembrada libertou o grito de “basta” entalado na garganta dos milhões de brasileiros descontentes com o regime militar.

Jorge Bornhausen e Esperidião Amin (dois políticos da Arena, na época) recepcionaram o presi­dente. Há quem atribua à dupla a tentativa de maquiar o clima hos­til que predominava na cidade. No entanto, Amin desmente esta tese. Ao contrário, garante que alertou para a possibilidade de manifesta­ções. “Em função das circunstân­cias sociais, econômicas – inflação e carestia –, previ que iria aconte­cer algum protesto, julgando que o clima festivo que se pretendia dar à visita estava dissociado da realida­de”, comenta.
Em 1979, Amin era deputado federal e secretário estadual dos Transportes e Obras. Ele diz que, na noite de véspera, durante um jantar com Marco Antônio Kram­mer, secretário de imprensa da Presidência da República, alertou sobre a possibilidade do manifes­to e que jornalistas presentes no evento foram testemunhas disso. O alerta de Amin pode ter diminuído o fator surpresa do ato. Mas a par­ticipação maciça dos jovens deve ter deixado descrente parte do staff do governo. “As reações foram di­versas. Prefiro não comentar a dos outros. A minha foi de espanto pe­las dimensões e prolongamentos do episódio”, recorda.
Político experiente, Amin – que hoje é deputado federal pelo PP – já enxerga o evento de forma mais amadurecida. “Minhas impressões sobre a Novembrada têm evoluído ao longo do tempo. Na época, com 31 anos de idade, mesmo já tendo experiência política e administra­tiva, o episódio tinha um cunho romântico. Hoje percebo que fez parte do ciclo histórico que vive­mos”, salienta. Além disso, Amin assegura que não houve qualquer precedente no país. “Foi o primeiro grande protesto popular que o Bra­sil daqueles anos testemunhou. No Brasil inteiro espalharam-se avisos do tipo ‘catarina que é macho!’, inclusive em parachoques de cami­nhão”, lembra o deputado.
Em entrevista a uma emissora de televisão local logo após o protesto, Amin afirmou que o ato, além, de previsível, era legítimo. Ele conta que, pela posição que tinha no go­verno, a fala caiu feito uma bomba. “Tenho muito orgulho de ter man­tido minha postura. Coloquei o cargo de secretário à disposição do governador e fui indicado para ser testemunha de defesa dos estudantes que foram detidos, na época. Meu depoimento na Auditoria Militar, em Curiti­ba, os ajudou decisivamente, especialmente porque contex­tualizei o protesto referindo a situação política, econômica e social a uma decisão autoritá­ria do governo federal”, relata. A tal decisão autoritária foi colocar uma placa de homena­gem a Floriano Peixoto na pra­ça 15 de Novembro, mesmo sabendo o quanto é polêmica (ainda hoje!) a troca do nome Desterro por Florianópolis – para reverenciar o “Marechal de Ferro”.



“Foi o primeiro grande protesto popular que o Brasil daqueles anos testemunhou. No Brasil inteiro espalharam-se avisos do tipo ‘catarina que é macho!’, inclusive em parachoques de caminhão”
Esperidião Amin


Organizador do manifesto recebe voz de prisão por chamar prefeito da capital de corrupto

Em 1979, Amilton Alexandre estu­dava Administração na UFSC. Hoje é jornalista, o popular Mosquito. Mas se a área de atuação não é a mesma de 32 anos atrás, o engajamento em questões políticas não mudou. Ele foi um dos organizadores da Novembrada. Amil­ton foi o responsável pela confecção de panfletos e faixas. “Sabíamos que já ti­nham ocorrido algumas manifestações contra o aumento da gasolina. Então resolvemos protestar também pedindo eleições e contra a situação de carestia da época. Era um movimento do tipo reivindicatório”, destaca.
Amilton foi um dos sete estudantes enquadrados e julgados pela Lei de Se­gurança Nacional. Ele foi preso no dia 30 de novembro. A prisão gerou uma série de outros manifestos nos dias seguintes. “Ficamos 10 dias presos. Recordo do primeiro dia, ainda na car­ceragem da polícia Federal, no bairro Estreito. Foram mais de 10 horas tran­cado num cubículo, incomunicável”, lembra.
Na visão do jornalista, hoje prevale­ce o individualismo – o que minimiza as chances de qualquer manifestação semelhante à que foi a Novembrada. “Os movimentos políticos migraram para as redes sociais. Tem muito estudante preocupado com o meio ambiente e com a desigualdade so­cial. Mas falta unidade e lideranças que assumam a dianteira dos mo­vimentos estudantis”, avalia. Três décadas depois do protesto, o cená­rio político mudou. “Hoje vivemos num regime democrático. Apesar de algumas distorções, existe liberdade política”, conclui.
História repetida
Aos 52 anos, Amilton não perdeu o ímpeto. Na última sexta-feira, ele teve a prisão decretada. Só não foi para a cadeia no mesmo instan­te porque a prisão foi relaxada na mesma hora, por ser considerado um crime de efeito menor. O crime: chamar o prefeito de Florianópolis, Dário Berger (PMDB), de corrupto. “Foi só um circo que os caras mon­taram. O promotor perguntou se eu confirmava que o Dário era corrupto e eu disse que sim. Aí o promotor pediu a prisão em flagrante. Como o processo em que ele foi condenado não está transitado em julgado, eles não consideram que ele seja cor­rupto. O que é um absurdo”, opina. Mesmo assim, Amilton não preten­de se calar.



Adolescentes de Itajaí acabaram presos durante as manifestações na capital
De curiosos, quatro estudantes de 17 anos foram parar num cam­burão. E depois, nos autos da his­tória catarinense. Os adolescentes tinham deixado Itajaí fazia duas semanas. Eles se hospedaram numa pensão no centro de Floria­nópolis para ficar no período em que fariam um cursinho pré-ves­tibular. Todos queriam entrar na UFSC. Aristides Umbelino da Cos­ta Júnior era um deles. “Naquele dia 30 fomos para a aula, mas nos dispensaram por causa da vinda do presidente. Então fui com um amigo lá ver. E foi isso, só olha­mos o tumulto”, conta.
Mas com a prisão dos sete estu­dantes – o grupo em que Amilton Alexandre estava incluído e do qual Esperidião Amin foi teste­munha de defesa – aconteceram protestos depois daquele último dia de novembro. Foi num destes manifestos posteriores que Aristi­des e os outros três estudantes de Itajaí foram parar numa saleta do DOPS – o temido Departamento de Ordem Política e Social. Hoje com 49 anos, ele ainda recorda os detalhes, desde a prisão até a li­berdade horas depois.
“Vimos na televisão que estava acontecendo mais um protesto. Já era noite, mesmo assim fomos dar uma olhada, porque adolescente não tem medo. Quando chega­mos, a praça já estava cercada. Tinha faixas caídas na escadaria da igreja matriz. Conseguimos uma brecha e passamos pela ca­valaria. Queríamos ler o que es­tava escrito nas faixas largadas na escadaria”, conta. Assim que os quatro encostaram nas faixas, alguém gritou: “eles vão começar de novo!”. Não foi preciso gritar duas vezes. Jogaram os estudan­tes no camburão. A curiosidade custou caro.
Aristides lembra que a madru­gada que passaram no DOPS foi terrível. “Um policial pergun­tou quantos anos nós tínhamos. Depois disse que a gente tinha sorte por só termos 17 anos. Nós estávamos tremendo. Lá a gente ouvia gritos, era horrível”, ressal­ta. Ele disse que foi separado dos amigos. Cada um teria de explicar a situação, mas em depoimentos individuais. “Lembro da fatídica entrevista com o delegado. Uma sala escura, com luz na cabeça. Foi uma pressão psicológica ter­rível. Ele ficou cinco minutos em silêncio, apenas olhando pra mi­nha identidade, o que aumentava a pressão”. Antes mesmo de ouvir o ríspido “o que tu tava fazendo lá?”, Aristides já tremia.
“Apareceu o deputado Murilo Canto e outro do MDB pra de­fender a gente. Eles serviram de advogados para nós, que estáva­mos perdidos em Florianópolis. Depois de toda a pressão, nos soltaram durante a madruga­da”, relata. Aristides conta que, no dia seguinte, o nome deles estava estampado num jornal es­tadual. Em Itajaí, a notícia era repetida o tempo todo na rádio. “Quando voltei para Itajaí, no fim de semana, achei que iam me xingar. No final, o pessoal me parava na rua para parabeni­zar”, relembra.
Passado aquele período, Aris­tides acabou o cursinho e con­seguiu entrar para a mesma universidade daqueles que orga­nizaram os protestos. Ele se for­mou em Computação, chegou a trabalhar em departamentos do governo estadual – pondo fim à desconfiança de que seria perse­guido – e hoje é empresário em Itajaí. Da Novembrada ficaram as memórias. Mesmo que ele es­queça, o nome não será apagado da história recente: ele foi um dos milhares de jovens de Santa Catarina que romperam o silên­cio durante o regime militar.

sexta-feira, 2 de dezembro de 2011

Reportagem em série sobre doação de órgãos (3)


Último dia:
O trabalho de quem pede autorização da família para a captação de órgãos




Você é um doador?

Milene Aparecida Machado tem a difícil missão de abordar os familiares, minutos após a morte do possível doador de órgãos e tecidos. Aos 47 anos, ela é a enfermeira que coordena a Comissão Intra-hospitalar de Doação de Órgãos e Tecidos para Transplantes do Hospital Marieta Konder Bornhausen, em Itajaí. “Procuro dar informações e apoio à família. Por mais que já faça esse trabalho há bastante tempo, sempre me coloco no lugar dos parentes”, comenta Milene. A frieza clínica só disfarça o quanto a enfermeira é emotiva. Mas, ela não se deixa abalar pelos sentimentos. Afinal, no momento trágico,
tem a missão de garantir a felicidade de quem aguarda na fila por um transplante. “Alguém que morre por falência cerebral pode salvar pelo menos oito pessoas”, destaca Milene.
Das 56 famílias que Milene abordou neste ano, 25 recusaram doar os órgãos. “O índice de pessoas que não autorizam, infelizmente, é muito alto”, afirma a enfermeira. Ela diz que a alta taxa de recusa se deve à esperança que as pessoas têm na cura. “Apesar do cérebro já estar morto, algumas pessoas acham que o paciente ainda está vivo. E, às vezes, é tarde para eu fazer a captação, os órgãos já estão comprometidos”, afirma Milene. Antes de se mudar para Itajaí, a enfermeira já trabalhava na mesma comissão, no Estado do Paraná. Por 15 anos ela lidou com transplantes. Há cinco anos, quando
começou no Marieta, ela passou a trabalhar apenas com a captação dos órgãos. “Troquei as salas de cirurgia pelo diálogo com familiares em momento tão delicado”, ressalta Milene.

Abordagens feitas em
Santa Catarina neste ano:

Notificações – 619
Doação – 256

58,64%
dos abordados no Estado
não autorizaram a doação de
órgãos e tecidos


Famílias negam a doação

Hoje, Milene só imagina a dor das pessoas que ela aborda. Entretanto, ela já provou da sensação de quem recebe a doação. “Meu primo sofreu um acidente e ficou cego. Para voltar a enxergar, estava na fila de transplante. No dia em que ele conseguiu voltar a ver,
percebi como o trabalho que eu faço muda a vida de uma pessoa”, conta, emocionada. Ao falar sobre o reconhecimento do ofício, Milene não demonstra tanto orgulho
quanto deveria. Mas, por dentro, deve se encher de satisfação pela tarefa diária frente ao programa de captação. “Quando trabalhamos no transplante, é normal que as pessoas agradeçam. No entanto, ganhar presentes de familiares que doaram órgãos é algo ainda mais gratificante”, comenta a enfermeira.
Hoje, 1.866 pessoas aguardam na fila pelo transplante em Santa Catarina. De acordo com Milene, se todas as famílias abordadas em Itajaí autorizassem a captação, em três anos a cidade conseguiria, sozinha, zerar a fila no Estado. “É fundamental que as pessoas falem com a família sobre a vontade de doar ou não os órgãos. Isso facilita a decisão na hora da morte e pode salvar vidas”, enfatiza Milene.
A solidariedade de um doador salvou a vida do aposentado Valmir Nunes. Ele esperava havia seis anos por um transplante de coração. É pouco provável que tenha sido Milene quem captou o órgão que foi transplantado em Nunes. No entanto, o gesto que ela repete com tanta frequência representa o bem que o aposentado de Tijucas recebeu: uma segunda chance para viver. E a vida continua.



Série publicada no fim de agosto do 2010 no jornal Notícias do Dia - Vale do Rio Tijucas e Costa Esmeralda. E publicada novamente no ND da Grande Florianópolis no início de setembro do mesmo ano.

Texto: Cláudio Eduardo
Fotos: Allex W. Farias