sexta-feira, 2 de dezembro de 2011

Reportagem em série sobre doação de órgãos (3)


Último dia:
O trabalho de quem pede autorização da família para a captação de órgãos




Você é um doador?

Milene Aparecida Machado tem a difícil missão de abordar os familiares, minutos após a morte do possível doador de órgãos e tecidos. Aos 47 anos, ela é a enfermeira que coordena a Comissão Intra-hospitalar de Doação de Órgãos e Tecidos para Transplantes do Hospital Marieta Konder Bornhausen, em Itajaí. “Procuro dar informações e apoio à família. Por mais que já faça esse trabalho há bastante tempo, sempre me coloco no lugar dos parentes”, comenta Milene. A frieza clínica só disfarça o quanto a enfermeira é emotiva. Mas, ela não se deixa abalar pelos sentimentos. Afinal, no momento trágico,
tem a missão de garantir a felicidade de quem aguarda na fila por um transplante. “Alguém que morre por falência cerebral pode salvar pelo menos oito pessoas”, destaca Milene.
Das 56 famílias que Milene abordou neste ano, 25 recusaram doar os órgãos. “O índice de pessoas que não autorizam, infelizmente, é muito alto”, afirma a enfermeira. Ela diz que a alta taxa de recusa se deve à esperança que as pessoas têm na cura. “Apesar do cérebro já estar morto, algumas pessoas acham que o paciente ainda está vivo. E, às vezes, é tarde para eu fazer a captação, os órgãos já estão comprometidos”, afirma Milene. Antes de se mudar para Itajaí, a enfermeira já trabalhava na mesma comissão, no Estado do Paraná. Por 15 anos ela lidou com transplantes. Há cinco anos, quando
começou no Marieta, ela passou a trabalhar apenas com a captação dos órgãos. “Troquei as salas de cirurgia pelo diálogo com familiares em momento tão delicado”, ressalta Milene.

Abordagens feitas em
Santa Catarina neste ano:

Notificações – 619
Doação – 256

58,64%
dos abordados no Estado
não autorizaram a doação de
órgãos e tecidos


Famílias negam a doação

Hoje, Milene só imagina a dor das pessoas que ela aborda. Entretanto, ela já provou da sensação de quem recebe a doação. “Meu primo sofreu um acidente e ficou cego. Para voltar a enxergar, estava na fila de transplante. No dia em que ele conseguiu voltar a ver,
percebi como o trabalho que eu faço muda a vida de uma pessoa”, conta, emocionada. Ao falar sobre o reconhecimento do ofício, Milene não demonstra tanto orgulho
quanto deveria. Mas, por dentro, deve se encher de satisfação pela tarefa diária frente ao programa de captação. “Quando trabalhamos no transplante, é normal que as pessoas agradeçam. No entanto, ganhar presentes de familiares que doaram órgãos é algo ainda mais gratificante”, comenta a enfermeira.
Hoje, 1.866 pessoas aguardam na fila pelo transplante em Santa Catarina. De acordo com Milene, se todas as famílias abordadas em Itajaí autorizassem a captação, em três anos a cidade conseguiria, sozinha, zerar a fila no Estado. “É fundamental que as pessoas falem com a família sobre a vontade de doar ou não os órgãos. Isso facilita a decisão na hora da morte e pode salvar vidas”, enfatiza Milene.
A solidariedade de um doador salvou a vida do aposentado Valmir Nunes. Ele esperava havia seis anos por um transplante de coração. É pouco provável que tenha sido Milene quem captou o órgão que foi transplantado em Nunes. No entanto, o gesto que ela repete com tanta frequência representa o bem que o aposentado de Tijucas recebeu: uma segunda chance para viver. E a vida continua.



Série publicada no fim de agosto do 2010 no jornal Notícias do Dia - Vale do Rio Tijucas e Costa Esmeralda. E publicada novamente no ND da Grande Florianópolis no início de setembro do mesmo ano.

Texto: Cláudio Eduardo
Fotos: Allex W. Farias

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