sexta-feira, 28 de outubro de 2011

Crônica de uma terra alagada

Por Cláudio Eduardo

Com a mesma velocidade que subiu, a água baixou. Limparam-se as sujeiras, apagaram-se os rastros. Gravaram-se as lembranças tristes. Mas é só isso, então? Ao fim de mais uma enchente, ficaremos apenas na torcida de que a catástrofe fique enterrada no passado? Que parem de esperar soluções do divino e do profano – de Deus e dos políticos. Já passou da hora de nós, moradores desta terra alagada, aprendermos a lição desta enxurrada de emoções e de água lamacenta.

Foto de Cláudio Eduardo - feita com o celular no bairro Cordeiros - Itajaí /SC


Diário de um repórter:

7 de setembro de 2011, quarta-feira

Estava prestes a começar a enxurrada. No entanto, mesmo os mais pessimistas não tinham a coragem de arriscar, sem titubear, que a chuvarada que adiou os desfiles do feriado da Independência traria de volta a desgraça que caíra sobre a região três anos antes. De plantão na redação, descubro que algumas ruas já estavam empoçadas, e que, por água e ar, o trânsito estava parado: porto e aeroporto suspendem a movimentação. Antes de encerrar o expediente, uma última ligação. Pelo telefone, questiono a Defesa Civil: “teremos enchente?”. Ouço um sonoro “não” que me inspirou confiança. O cansaço do expediente deve ter cegado meu senso jornalístico. Engulo aquela resposta, digiro, escrevo, e vou embora.

8 de setembro de 2011, quinta-feira

Na redação, enquanto uns calculam os prejuízos da chuva que teima em continuar, outros repórteres dão sequência a suas respectivas editorias. Concentro-me na Política. Depois de quase tudo pronto, lá pelas 18h, vem a ordem. Devo esquecer o que já fiz do setor político e entrar para a cobertura do aguaceiro: é mesmo uma enchente! Encerro o expediente já sabendo que o pior ainda estava por vir. O dia seguinte seria terrível. Ainda tinha muita água por subir.

9 de setembro de 2011, sexta-feira

A angústia da incerteza de quanto a água subiu durante a madrugada é insuportável pela manhã. Mas não demora para que possa constatar os estragos e (pior) saber que as ruas deveriam encher mais até o fim do dia. Leio um alerta aos moradores da comunidade do Bambuzal, em Itajaí. Eles devem deixar rápido suas casas porque a previsão é de que a água subiria rapidamente. Corro para lá.
E a correria por aqueles lados estava grande. Entro em uma rua, com água pelos joelhos. Observo que uma família permanece isolada no segundo piso da residência. A matriarca explica que o andar superior foi justamente construído para que, em casos de enchente, eles não precisassem abandonar a casa. Ali ficava claro que as pessoas começaram a se adaptar à catástrofe. Perdeu-se a indignação.
Continuo a peregrinação pelos bairros. Vejo donas de casa chorando; ouço pais de família confirmando que, assim que tudo passar, vão pensar se continuam morando na cidade; converso com pessoas que moram em áreas não atingidas e que saem de casa somente para fotografar a desgraça dos outros. Em algumas comunidades onde havia descrença quanto à chegada da enchente, quando enfim a água confirmou a presença e começou a subir vejo um tumulto que transforma a rua num cenário de  guerra. Buzinas e gritos não são raros.
Mas eu não parecia estar abalado o suficiente. Por trás de uma câmera fotográfica e de um bloquinho de notas, por vezes o repórter vira pedra de gelo. Só não esperava perder a frieza justamente quando o dia estava acabando. E perdi. Numa das idas e vindas, passo pelo viaduto no trevo que vai de Itajaí para Brusque. Um cenário arrasador. Famílias amontoadas embaixo da ponte, unidas às carrocinhas e animais que conseguiram escapar das cheias numa comunidade próxima dali. Sem comida, sem banheiro, sem água.
Eles estavam jogados, contando apenas com a compaixão de quem passava por ali e entregava um pão seco ou um pacote de bolacha. E tudo era divido entre idosos e crianças. Naquele instante, minha voz embargou, meus olhos ameaçavam se render ao choro, e tive a real dimensão de tudo aquilo que estava acontecendo. A frieza do profissional deu lugar aos sentimentos do cidadão. O baque só foi maior quando um menino – não devia ter mais que cinco anos – interrompeu as mordidas num pão velho, me encarou  e perguntou: “o que o senhor tá fazendo?”. Sorri um riso triste e não soube o que responder. Apenas me afastei dali. Precisava respirar e secar qualquer lágrima teimosa que tentasse escapar. O trabalho tinha de continuar.
Depois de muitas conversas, de ouvir muitas histórias, parto para a última missão: um passeio com a Polícia Militar Ambiental, de barco, por áreas atingidas, no bairro Cordeiros. Era final de tarde. Naquela hora, ainda digeria tudo que tinha visto, ouvido e sentido. Tem lições da enchente que são muito mais importantes do que aprender o momento de levantar os eletrodomésticos. Quase no fim do “passeio”, vislumbro um pôr-do-sol que resvalava os reflexos laranja na água lamacenta. Encarei como a promessa de que no dia seguinte tudo voltaria ao normal.

sexta-feira, 21 de outubro de 2011

A busca pelo COMPATÍVEL


Com 5ml de sangue, é possível alimentar a esperança de milhares de pessoas que lutam contra a leucemia. Caso haja compatibilidade, o “sim” pode devolver a vida para alguém. No Brasil, 1,2 mil pessoas aguardam na fila pelo transplante de medula óssea

 

“Tem tantos milagres acontecendo a todo o momento. No fundo, eu tenho a certeza de que vai acontecer um com o meu filho”

Por Cláudio Eduardo
 

A vida pode ser devolvida através de uma agulha. Por nove anos, Ruan Gabriel Serpa procurou um doador de medula óssea compatível. Em 2010, encontrou. Entretanto, a esperança de vencer a leucemia desapareceu com a covardia de um desconhecido. Hoje, aos 15 anos, o garoto está fora da lista de espera pelo transplante. Depois de sessões de tratamentos pesados, os médicos deram a notícia que a família se nega a ouvir: não adianta mais procurar alguém com compatibilidade; se o organismo de Ruan suportar o transplante, não aguentará o procedimento pós-cirúrgico. O fim da busca pela medula veio em outubro do ano passado – poucos meses após ter surgido uma pessoa compatível que, por razões ignoradas pela família, desistiu de doar.
Atualmente, o transplante de medula óssea é a única esperança de cura para 1,2 mil pessoas que sofrem de leucemia e estão aptas para passar por este procedimento no Brasil. A possibilidade de encontrar uma medula compatível é de uma em 100 mil. E a mãe de Ruan foi à luta para encontrar onde estava a única chance do filho. Giana Carla Melo Serpa, 38, largou tudo para se dedicar unicamente a Ruan desde que ele foi diagnosticado com leucemia linfoide aguda (LLA), aos seis anos. Assim que ele iniciou o tratamento, mesmo sem estar na fila de espera pelo transplante, Giana exigiu que fosse feito o teste de compatibilidade na família e, quando chegaram os resultados, ela descobriu que nenhum dos parentes poderia ser doador caso o menino precisasse.
“Sempre exigi que o tratamento do meu filho fosse o melhor possível e que não o privassem de nada. Para os médicos, ele era mais um. Mas, para mim, é o meu filho”, narra a dona de casa. Hoje, Ruan só toma medicamentos para que a doença não progrida. Em outubro do ano passado, quando os médicos o desenganaram e mandaram para casa para passar os últimos dias perto da família, o garoto se recuperou de uma forma incomum. “Eu sinto que as coisas estão se afunilando. Está cada dia mais difícil, mas ele é guerreiro”, conta a mãe.
Apesar de ser um adolescente, Ruan tem físico de um menino: mede 1,48m e pesa pouco mais de 40 quilos. Todos os tratamentos a que se submeteu para vencer a leucemia acabaram retardando o crescimento. Hoje, já bastante debilitado, o garoto passa os dias em frente à televisão ou ao computador. A mãe conta que ele anda deprimido e dorme 20 horas por dia. “As pessoas me dizem que eu já sei o que vai acontecer e que devo estar preparada. Não, eu não estou preparada! Tem tantos milagres acontecendo a todo o momento. No fundo, eu tenho a certeza de que vai acontecer um com o meu filho”, enfatiza Giana, com a firmeza de quem confia no instinto maternal.


Foto: Minamar Junior

EXPLICAÇÃO MÉDICA
Quais as chances de encontrar alguém compatível?
De acordo com a médica hematologista Samara Graf do Prado, com base nas leis genéticas, as chances de se encontrar um doador ideal entre irmãos (filhos dos mesmos pai e mãe) é de 25%. Mas, caso não exista alguém compatível na família, há como encontrar um doador não aparentado através do Registro Brasileiro de Doadores de Medula Óssea (Redome). “Para que se realize um transplante de medula é necessário que haja uma total compatibilidade entre doador e receptor. Caso contrário, a medula será rejeitada”, afirma a especialista. Ela explica que a compatibilidade é determinada por um conjunto de genes localizados no cromossoma 6. “A partir de amostras de sangue, a análise é realizada por meio de testes laboratoriais específicos chamados de exames de histocompatibilidade”, salienta.
O tratamento da leucemia pode afetar o crescimento?
A hematologista conta que o primeiro passo depois que o paciente recebe o diagnóstico de leucemia é a indicação de quimioterapia para o prolongamento de sobrevida. Todavia, há diversos efeitos colaterais causados pelas drogas utilizadas no tratamento. “As pessoas têm organismos únicos, logo, respondem de forma diferente à quimioterapia”, explica Samara.
Como funciona o transplante?
“Existem duas formas de doar as células-mãe da medula óssea: uma coletada nos ossos da bacia e a outra é a filtração pelas veias”, destaca a hematologista. A forma mais comum é a retirada da bacia, em que se coleta a quantidade de medula equivalente a uma bolsa de sangue. Mas não há razão para que o doador tenha medo. “É aplicada anestesia e o procedimento dura, em média, 60 minutos. Não fica nenhuma cicatriz. É importante destacar que não é uma cirurgia, ou seja, não há cortes e nem pontos”, explica Samara. Depois da retirada da medula, o doador fica em observação no hospital por um dia e, em poucas semanas, já tem a medula completamente recuperada.


Para entrar na lista de doadores, basta tirar 5ml de sangue

A desinformação é a vilã para que o número de doadores não aumente. Hoje, 2,2 milhões de brasileiros estão cadastrados no Redome, sendo que apenas 82 mil são de Santa Catarina. Segundo a assistente social do setor de captação de medula óssea do Hemosc, Diná Pinheiro, 52 anos, mais importante que o número de pessoas registradas é o comprometimento. “Precisamos de pessoas conscientes. Tem gente que se cadastra na emoção e, quando é compatível, desiste. Também têm os que não atualizam os dados e temos dificuldade para encontrar”, lamenta a assistente social.
O hospital Marieta Konder Bornhausen, de Itajaí, realiza o cadastramento de doadores de medula óssea há quatro anos. Até agora, apenas 496 nomes aparecem na lista de pessoas que entraram para o Redome pelo hospital. De acordo com a enfermeira responsável pela agência transfusional, Elaine Schmitt, 23, a falta de orientação ainda é um grande empecilho. “As pessoas têm medo porque acham que vamos colocar a agulha na coluna. Mas não é assim que funciona”, comenta a enfermeira. Ela leva cerca de 10 minutos para finalizar o cadastro de quem tem interesse em ser doador – entre o preenchimento dos dados pessoais e a retirada de 5ml de sangue. “Os que nos procuram geralmente assistiram algo na televisão ou então conhecem alguém que precisa do transplante. É muito difícil quem venha de forma espontânea”, afirma Elaine.

Campanha em Camboriú
O microempresário Marcelo Rodrigues, 45, está no Redome há quatro anos. Em 2007, a família de Ruan realizou uma campanha em Camboriú – cidade onde mora – para incentivar o cadastro de possíveis doadores. Na época, o Hemosc liberou a captação de quase 600 amostras. Nenhuma delas foi compatível para Ruan. No entanto, estas pessoas ficaram na lista e, quem sabe, um dia poderão ajudar outro paciente com leucemia. Marcelo é um deles. “Eu me cadastrei porque tinha amizade com a família do Ruan. Não fui compatível com ele, mas continuo na lista de doadores. Só de imaginar que é um gesto para salvar uma vida, se for chamado, não pensarei duas vezes antes de doar”, garante.

Fazer o cadastro é fácil e rápido
Ao contrário da doação de sangue, que segue uma série de restrições, para entrar para a lista de doadores de medula óssea só é preciso ter entre 18 e 55 anos e não estar doente. Para ser registrado no Redome, basta procurar um hemocentro ou uma agência transfusional que faça o cadastro. O nome que aumentou a lista de voluntários à doação em Itajaí foi o do repórter do DIARINHO, Cláudio Eduardo de Souza, que fez o cadastro e comprovou como é simples entrar para o rol de possíveis doadores de medula óssea. A demora entre preencher uma folha com os dados pessoais e tirar sangue não passa de 10 minutos. Depois, é só esperar para, no caso de aparecer alguém que precise da doação, reafirmar o “sim”.



Foto: Roberta Ramos

Para se cadastrar como doador de medula óssea:
- Você deve ter entre 18 e 55 anos e estar saudável;
- Será colhido, pelas veias do braço, apenas 5ml de sangue;
- A classificação da sua medula será colocada no Redome;
- No caso de um transplante, será verificada a compatibilidade entre a medula do paciente e a do doador. Se for compatível, outros exames serão necessários. Por isso, o centro de Hematologia e Hemoterapia de Santa Catarina (Hemosc) pede que os dados (endereço e telefone) sejam sempre atualizados



Não há limites para um guerreiro de verdade

Foto: Álbum de Família


Ruan é apaixonado por futebol. Entretanto, por causa do estágio da doença, não pode mais encarar os campinhos e brincar com os amigos. Agora, o esporte se restringe entre assistir aos jogos na televisão ou competir no gramado do vídeo-game. A mãe Giana sempre tentou tratar o filho como se ele não tivesse nenhuma doença: ele frequentou a escola e saía às ruas para brincar – isso no tempo em que não estava em tratamento. No mais, a vida do garoto e da mãe dele tem sido dentro do hospital infantil Joana de Gusmão, em Florianópolis.
Tímido, Ruan está numa fase monossilábica. Ele precisou ser convencido pela família para topar ser fotografado para a reportagem. Giana diz que o filho já perdeu grande parte da alegria que o ajudou a superar todas as fases da leucemia até agora. Ruan não pronunciou uma frase, só fez acenos com a cabeça. O olhar entristecido dizia tudo: não queria papo. Todo guerreiro tem direito ao silêncio.


REPORTAGEM PUBLICADA EM 27/06/2011
Editoria de Especial - DIARINHO

quinta-feira, 20 de outubro de 2011

Para controlar os dedos nervosos

Estou me arriscando por aqui. Espaço novo, cheio de imediatismo como só a vida on-line. Diferente da correria do jornalismo diário que, apesar da rotina apressada, deixa as letras de molho - na madrugada- antes que as páginas enfim circulem na manhã seguinte aos fatos.

Não prometo furos de reportagens. Isso vou continuar deixando para as páginas do bom e velho jornal impresso. Sou um "novo velho repórter" - novato de idade e de experiência na profissão; arcaico no tradicionalismo de quem não troca as anotações na caneta Bic pelo nervosismo dos dedos que teclam letra a letra.

Então, apresento o espaço onde colocarei reportagens que já escrevi/publiquei e gostei; textos que ainda publicarei nas páginas do impresso; e também as ideias que não poderei dar sequência (por incompatibilidade de editoria) para que estampem as páginas do jornal, as produzirei com o mesmo carinho e lançarei aqui, neste portal.

Que o "bem-vindos" que desejo hoje, se torne um "volte sempre" ao final de cada leitura!

Cláudio Eduardo
Jornalista
Hoje, editor de Política do Diarinho