terça-feira, 5 de junho de 2012

O HOSPITAL RUTH CARDOSO NA UTI (2)



Cruz Vermelha pede indenização de R$ 17 milhões

Em meio às discussões pautadas pelos prejuízos para os cofres públicos do município, em nenhum momento foram computadas cifras que ficariam intactas, não fosse o entrave entre a Cruz Vermelha Brasileira, filial do Rio Grande do Sul, e a prefeitura de Balneário Camboriú. Enquanto uma auditoria do município avalia a prestação de contas do período em que a entidade administrava o hospital – de outubro do ano passado até abril deste ano – a Cruz Vermelha luta na Justiça para anular o decreto de intervenção, voltar a administrar o Ruth Cardoso e punir a prefeitura com o pagamento de indenização milionária. E neste imbróglio, o dinheiro volta a ser colocado à frente das vidas. 

Por Cláudio Eduardo

 A Cruz Vermelha apelou para a Justiça. A filial gaúcha da entidade cobra indenização num valor que extrapola qualquer repasse que a administração municipal tenha feito ao longo dos seis meses em que a Cruz Vermelha comandou o Ruth Cardoso. Ontem à tarde, teve entrada uma ação na Vara da Fazenda Pública de Balneário Camboriú. O pedido, entre outras coisas, quer o pagamento de quase R$ 17 milhões. Além disso, a Cruz Vermelha quer anular o decreto de intervenção do município, impedir que o contrato de gestão seja quebrado e voltar para o comando do hospital.
De acordo com o presidente da filial gaúcha da entidade, Nício Brasil Lacorte, a prefeitura está em débito. Para chegar ao valor milionário que pede como indenização, ele soma R$ 5 milhões que não teriam sido repassados no período em que administravam o hospital e completa com o que, nos argumentos da ação, seria uma compensação pelos abalos moral, de crédito e da imagem da Cruz Vermelha. “Já existe um mandado de segurança que ainda não foi julgado. Queremos que a prefeitura nos pague o que deve e ainda responda pelo ato irresponsável que foi a intervenção”, afirma.
Lacorte comenta que todos os pontos enumerados pelo prefeito Edson Periquito (PMDB) ao assinar o decreto de intervenção são infundados. Por isso ele pede também a anulação do ato administrativo e quer retomar o contrato de gestão do Ruth Cardoso – que o prefeito tenta rescindir. “O decreto foi ilegal por não ter nos dado o direito de defesa. A Cruz Vermelha jamais recebeu qualquer questionamento por parte da prefeitura antes da intervenção”, ressalta o presidente da entidade. Ele adianta que, na ação, rebate cada um dos argumentos apontados no decreto. “Foi um ato nulo, porque a base que sustentou o decreto não tem fundamento”, conclui.

Foto: Minamar Junior
 "Queremos que a prefeitura nos pague o que deve e ainda
 responda pelo ato irresponsável que foi a intervenção"


Argumentos da intervenção
• Descumprimento de metas estabelecidas no Contrato de Gestão e Plano de Trabalho;
• Utilização inadequada de recursos públicos, caracterizada por repasses para a entidade Cruz Vermelha Brasileira, sem autorização, previsão ou cobertura contratual;
• Não realização de pagamento de impostos e encargos incidentes sobre a folha de pagamento do quadro de pessoal;
• Não realização de pagamento de obrigações perante diversos fornecedores do hospital;
• Utilização inadequada de recursos públicos, caracterizada pelo pagamento de passagens aéreas, alimentação, transporte individual de passageiros (táxi) e hospedagem;
• Elevação do número de
óbitos entre os nascidos vivos nos meses de janeiro, fevereiro
e março de 2012;
• Existência de procedimentos deflagrados pelo Ministério Público Estadual com vistas a apurar denúncias e reclamações de mau atendimento na prestação dos serviços ambulatoriais e hospitalares e irregularidades
na gestão.

Situação parecida em João Pessoa

Além do Ruth Cardoso, em Balneário Camboriú, a Cruz Vermelha gaúcha assumiu a gestão de outro hospital: o de Emergência e Trauma Senador Humberto Lucena, de João Pessoa, capital da Paraíba. E se a geografia é distante, a realidade não. Na última sexta-feira, a Justiça condenou a entidade e o Estado a pagarem multa de R$ 10 milhões cada e determinou a anulação do contrato de gestão.
Quem bateu o martelo foi o juiz Alexandre Roque Pinto, da 5ª Vara do Trabalho de João Pessoa. Ele condenou tanto o estado da Paraíba quanto a Cruz Vermelha a pagar indenização por danos morais coletivos no valor total de R$ 20 milhões – metade para cada – por causa da terceirização da saúde no hospital de Emergência e Trauma, atendendo ao que foi pedido numa ação civil pública do Ministério Público do Trabalho (MPT).
A sentença também anulou o contrato de gestão feito entre o Estado e a entidade gaúcha. Caso não haja o rompimento, a multa diária é de R$ 50 mil. A Cruz Vermelha continua no hospital após o veredicto graças a uma liminar concedida pelo Tribunal Superior do Trabalho (TST) – que o MPT tenta derrubar.

15 dias depois…

Até o dia 24 de abril, quando foi decretada a intervenção do município, 176 mortes tinham sido registradas no Ruth Cardoso - no período de seis meses em que a Cruz Vermelha administrou o hospital. Mas o número subiu e as reclamações quanto ao atendimento da unidade continuaram. Nos últimos 40 dias foram computados 25 óbitos.
Dos casos que já tinham sido denunciados pelo DIARINHO na primeira reportagem da série “O hospital Ruth Cardoso na UTI”, o presidente da Cruz Vermelha isenta a entidade de qualquer responsabilidade. “Em nenhum momento deixamos de oferecer às pacientes todos os recursos necessários ao atendimento médico”, garantiu.
Das histórias abordadas pela reportagem publicada há 15 dias – e que passaram a ser investigadas pelo Ministério Público – nada mudou. O corpo do bebê que desapareceu, continua sumido; a mulher que usa fraldas desde o parto normal forçado, continua em tratamento; a morte da mulher que esperava atendimento numa cadeira de rodas, continua sem punição; o médico que teria cobrado para fazer uma cirurgia e, na falta de pagamento, dispensado a paciente que morreu dias depois, continua atendendo normalmente.
O Conselho Regional de Medicina de Santa Catarina (Cremesc) tinha pedido um prazo antes de se pronunciar sobre a situação do Ruth Cardoso. Contudo, permaneceu o silêncio. Já o prefeito não atendeu a reportagem ontem – tanto para falar sobre as alegações da Cruz Vermelha quanto para explicar a nova situação do hospital após a intervenção. Entretanto, ele já havia adiantado que a auditoria do município confirmou irregularidades que devem, mais tarde, respaldar a anulação do contrato com a Cruz Vermelha para, então, ser aberto o processo licitatório em que será escolhida a nova empresa que irá administrar o (ainda) caótico hospital de Balneário Camboriú.

 
Reportagem publicada no jornal
Diário do Litoral - DIARINHO - em 5 de junho de 2012

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