MAR DE LAMA
Onde morar de frente para a
praia é sinônimo de pobreza
Por Cláudio Eduardo
Fotos: Flávio Tin
No mapa de belas praias de Santa Catarina, Tijucas é
um ponto escuro. A cidade – que pertence à Grande Florianópolis – contraria os
demais municípios litorâneos do estado em que morar de frente para o mar é
sinônimo de poder. Um fenômeno social causado pelo meio ambiente: de frente
para a praia (que, cheia de lama, não é própria para banho), quem mora é pobre.
Hoje já é possível encontrar casas mais caprichadas entre as que se enfileiram
na via paralela à orla. Contudo, os barracos erguidos sobre as áreas invadidas
ainda predominam. A ordem das construções é completamente oposta à dos
balneários vizinhos.
Como crer que, num estado de litoral turístico feito Santa Catarina, um aposentado que recebe apenas um salário mínimo tem o privilégio de ver, da janela de casa, o pôr do sol refletido na água sem nenhuma barreira atrapalhando a vista? O pescador aposentado Gelci da Costa Amaral, que deixa o nome de batismo apenas para os documentos, se sente um privilegiado. Banga, como se apresenta, tem 68 anos e mora com a mulher e um filho numa casinha – já de alvenaria e cheia dos caprichos – de frente para o ponto em que o mar se esbarra com o rio Tijucas. E jura que não troca de endereço. Prefere a simplicidade ao asfalto da parte central do município.
“Faz uns 15 anos que mudei para a praia. Tinha pouco dinheiro, e só dava para comprar terreno aqui. Era isso ou ficar no aluguel”, conta. Além de fugir dos preços inacessíveis para o bolso de quem recebe apenas o suficiente para sobreviver, Banga conseguiu conquistar o prazer da vida de aposentado de frente para o mar. Para ele, a lama não é impedimento nas pescarias de tarrafa. “É o que eu faço para passar meu tempo. Eu mesmo faço a tarrafa e depois já posso ir ali testar. Aqui é uma maravilha”, destaca.
Tem morador que, há cinco anos, pagou apenas R$ 3 mil por um terreno de frente para a orla. Essa facilitação do preço baixo, logicamente, ressalta um ponto negativo daquela área: o aumento descontrolado na densidade demográfica, que dá espaço para a violência. Mesmo assim, Banga reluta. Acredita que, na simplicidade e no sossego, conseguiu criar um paraíso particular. “A gente sabe que tem muito bandido, mas para poder viver bem, tem coisas que temos que deixar passar despercebido”, afirma, vigiado de perto pela mulher, que apenas concorda com as respostas do marido com sorrisos orgulhosos e gestos de aprovação.
Condomínio de casas populares
bem pertinho do mar? Só em Tijucas!
Acredite. Em Tijucas, famílias retiradas de área de risco ganharam, há três
anos, casas na praia. A aposentada Maria dos Santos Fagundes Souza curte os 69
anos de idade na calmaria de um conjunto habitacional feito por um projeto
social entre a prefeitura e o instituto Ressoar, da Rede Record. Ela morava em
um bairro do interior do município. Mas, com a casa condenada pela Defesa
Civil, recebeu, em setembro de 2009, um novo lar. E de frente para o mar.
“Nunca imaginei que moraria tão perto da praia. Muito menos ganhando a casa”,
comenta, garantindo que está mais que satisfeita com as surpresas da vida.
Hoje, onde ela mora, consegue driblar o calor do verão com o vento que vem
direto do mar. E não nega ter a vida que, anos antes, nem ousara sonhar.
Enseada é um paraíso esquecido
Tijucas/SC - População estimada: 32.087 PIB per capita: R$ 18.425,83 Incidência de pobreza: 29,45%
De ponta a ponta, a praia de Tijucas tem quase 13 quilômetros de extensão – mais que quatro vezes o tamanho da praia Brava de Itajaí, por exemplo. Mas apenas ao longo de três quilômetros há casas. Da areia, é possível avistar ao longe, numa cruel ironia àqueles que vivem de frente para o mar lamacento, o verde da água. Ainda, é possível visualizar os morros das praias vizinhas, que são pontos turísticos disputados no verão (enquanto Tijucas continua desprezada, por não ter condições de balneabilidade): Governador Celso Ramos, Porto Belo e Bombinhas. Fora a ilha do Arvoredo, num horizonte bem distante.
E justamente os paraísos que rodeiam que são considerados parte das causas de tanta lama. O professor do curso de Oceanografia da Univali e doutor em Geologia Marinha, João Thadeu de Menezes, estuda a região desde 2004. Ele explica que o rio Tijucas deposita grande quantidade de sedimentos finos no mar – como qualquer rio daquele porte. Contudo, a diferença está na geografia. Por estar completamente circulada por morros, a praia de Tijucas não consegue receber ondas influenciadas pelos ventos, que seriam a energia para rebater a deposição dos sedimentos finos. E, por ser uma enseada completamente fechada, a lama estaria se acumulando ao longo de mais de cinco mil anos. Menezes diz que, numa medição feita para o estudo da área, concluíram que a camada de lama tem 17 metros de profundidade.
Junto com a explicação, vem a triste notícia para os que têm esperança de que um dia a praia ficará própria para o banho. “Não há como mudar. É a característica natural do ambiente. Existe a possibilidade de tirar a lama? Não sei, talvez alguma tecnologia da engenharia possa fazer isto. Mas a característica do ambiente é a deposição de lama. Se tirarem, um dia vai voltar”, afirma o especialista.
Planície rara no país
De acordo com Menezes, a característica do mar se estende, na verdade, da planície terrestre do município. Ele diz que, no Brasil, só há uma praia do Norte com a mesma característica de Tijucas, que classifica como Planície de Chenier. “Basicamente, as árvores só crescem enfileiradas aos cordões arenosos. Na praia, essa parte de areia fica mais evidente: são 300 metros de lama, depois uns 50 ou 100 metros de areia, depois mais 300 metros de lama... E assim por diante”, explica o especialista. Ele ainda ressalta que não basta criar um molhe para conter os sedimentos finos. A praia de Tijucas está condenada pelas características da superfície. “É a dinâmica do meio ambiente. Deveriam, sim, pensar no rio, que transporta muita sujeira, e também na criação de políticas públicas para a limpeza da praia”, aconselha. Como o mar não é próprio para banho, ao longo dos anos há quem encare a orla como depósito de dejetos: jogam lixo e até animais mortos, evidenciando ainda mais o abandono de uma enseada que, não fosse a lama, inverteria o mapa urbanístico da cidade.
De acordo com Menezes, a característica do mar se estende, na verdade, da planície terrestre do município. Ele diz que, no Brasil, só há uma praia do Norte com a mesma característica de Tijucas, que classifica como Planície de Chenier. “Basicamente, as árvores só crescem enfileiradas aos cordões arenosos. Na praia, essa parte de areia fica mais evidente: são 300 metros de lama, depois uns 50 ou 100 metros de areia, depois mais 300 metros de lama... E assim por diante”, explica o especialista. Ele ainda ressalta que não basta criar um molhe para conter os sedimentos finos. A praia de Tijucas está condenada pelas características da superfície. “É a dinâmica do meio ambiente. Deveriam, sim, pensar no rio, que transporta muita sujeira, e também na criação de políticas públicas para a limpeza da praia”, aconselha. Como o mar não é próprio para banho, ao longo dos anos há quem encare a orla como depósito de dejetos: jogam lixo e até animais mortos, evidenciando ainda mais o abandono de uma enseada que, não fosse a lama, inverteria o mapa urbanístico da cidade.
Projeto de construção de molhes
prevê gasto de R$ 26 milhões
Entre os moradores de Tijucas, a praia tem nome. Numa alusão irônica à carioca Copacabana, chamam a versão lamacenta de “Copalama”. Tão velhas quanto o apelido são as promessas de limpeza do mar, que aumentam a esperança dos tijucanos de, um dia, crescerem a partir do turismo de verão, como os municípios vizinhos. Contudo, nenhuma promessa com relação à enseada saiu do papel até hoje.
No entanto, pelo que diz o prefeito Elmis Mannrich, há projetos mais perto de chegarem à execução. “Temos encaminhado o desassoreamento do rio e o projeto de afixação dos molhes, inclusive com licenças prévias”, comenta. O orçamento para que a obra saia está na casa dos R$ 26 milhões. O prefeito garante que o projeto já está inscrito em dois Ministérios e que, como a arrecadação do município é pequena, está atrás de apoio dos governos federal e estadual para que vire realidade.
Mesmo com a execução do desassoreamento do rio Tijucas e com o molhe, Mannrich não arrisca afirmar que o município terá um mar próprio para banho. “Uns dizem que não tem jeito. Outros dizem que, com o molhe, uma parte da praia ficará boa para banho. O projeto é para beneficiar o tráfego no rio. Quanto à praia, só depois da obra executada para saber se teve ou não algum impacto favorável”, explica o prefeito. Independentemente da qualidade da água, ele promete a revitalização dos arredores. “O projeto contempla a orla, com urbanização de parte da praia, que hoje é uma área muito feia”, reconhece.